segunda-feira, 15 de julho de 2024

A poesia está na rua

A admirável pintora portuguesa Maria Helena Vieira da Silva sabia muito bem do que falava, quando gravou o título deste texto numa das suas telas. Em homenagem e exaltação do 25 de Abril de 1974. E do seu profundíssimo significado para a sociedade portuguesa.


Como muitos outros artistas portugueses dos primeiros modernismos, e seguintes (Amadeo de Souza-Cardoso, Santa-Rita Pintor, Almada Negreiros, Júlio Pomar), escolheu Paris para o seu aperfeiçoamento plástico e técnico. E afirmação, como cidadã livre. Nesse tempo, Portugal era uma terra de ditadura, “uma espessa noite sem fim”. Paris, era a urbe, um chão de liberdade. 


Muito cantores de intervenção portugueses (Sérgio Godinho, Vitorino, Jorge Palma, entre tantos outros) cantaram pelas ruas da cidade-Luz, na boca das estações de metro, nas praças e boulevards, o sonho de um Portugal livre e democrático. Se o fizessem em terras portuguesas, o mais certo era serem perseguidos. Ou presos e torturados.


Portugal comemora os 50 anos do 25 de Abril. Para lá das comemorações institucionais que se vão realizando ao longo do ano por todo o país, a escola pública tem a claríssima responsabilidade cívica de se associar às celebrações desta efeméride. Convém lembrar que, em Abril de 1974, Portugal apresentava a maior taxa de analfabetismo da Europa e que só o regime democrático e a escola pública conseguiram eliminar esse atraso atávico e puderam proporcionar a todos, sem distinção, “a iluminação das letras e do conhecimento”, na formação de homens e de mulheres na plena igualdade de oportunidades, cidadãos conscientes dos seus direitos inalienáveis e da sua determinação na construção de uma sociedade mais justa, moderna, com os olhos colocados no futuro.


Neste contexto, o Departamento de Ciências Sociais e Humanas, do Agrupamento de Escolas Nuno de Santa Maria, em conjugação com o Projeto + Humanidade, celebrou esta efeméride com um vasto conjunto de atividades, nos dias 23, 24 e 26 de abril. Estas visaram, antes de mais, celebrar a democracia e a liberdade, a dignidade da pessoa, o que é viver em democracia, num regime político livre e plural – onde todos cabem, mesmo os inimigos da democracia – e promover a reflexão e a consciência cívica de cada um e de cada uma. Isto, num tempo em que os regimes democráticos, em muitas partes do mundo, são acossados pelos populismos e extremismos políticos, nomeadamente pela extrema-direita, pela desinformação, pela hostilidade face aos imigrantes (apenas quatro países no mundo não têm emigrantes portugueses) e correspondentes discursos de ódio.


Neste contexto, foram disponibilizadas à comunidade educativa do Agrupamento (na ESSMO e na EDNAP) várias atividades: no Polivalente da ESSMO, uma exposição de cartazes, a cores, sobre o 25 de Abril, em grande e médio formato. Ainda, no mesmo espaço, a imprensa e a Revolução, com jornais da época; uma exposição de cartazes, gentilmente cedidos pela PORDATA, sobre o que mudou, em Portugal, em diversos campos, com os 50 anos de democracia e trabalhos de alunos.


Na Biblioteca da ESSMO, foi montada uma exposição sobre a Censura, com um conjunto de livros censurados e, outros, proibidos pelo Estado de Novo. No mesmo espaço, funcionou a Sala da Poesia. Neste âmbito, foi gravada previamente a leitura de vários poemas por alunos do 5.º ano da EDNAP, e passada no plasma. Depois, de ouvirem os poemas gravados, aos alunos das turmas do Agrupamento, em rotação ao longo dos três dias, era-lhes solicitado dizerem alguns poemas, fotocopiados, e enquadrados no contexto da efeméride.


Na sala de Artes foi montada a Sala da Tortura. Da atividade constavam vários passos: visionamento, no plasma, de uma pequena peça de teatro, da autoria do professor Paulo Antunes, com a representação, gravada, de uma cena de interrogatório de um preso político pela PIDE (polícia política que foi um dos pilares da ditadura). Os artistas são alunos do 9.º A. Outro passo foi a leitura, por um dos alunos das turmas que iam chegando, de relatos feitos por presos políticos (mulheres e homens) e das brutais sevícias que sofreram durante dias, semanas, meses…anos. Para concluir, os alunos colocavam as questões que consideravam pertinentes e os comentários alusivos.


Na Biblioteca Municipal de Tomar, no dia 23, realizou-se uma tertúlia Como eu vivi o 25 de Abril de 1974”, com os professores Eduardo Vaz, Rui Machado e a Diretora do Agrupamento, Celeste Gonçalves, para as turmas de História A e de História e Cultura das Artes. Relataram, num êxtase retrospetivo, como receberam a Revolução e como “esse dia mágico”, que iria mudar profundamente Portugal, os marcou para todo o sempre.


Na EDNAP, na Biblioteca, foi feita a recriação de uma sala de escola primária do Estado Novo, com o mobiliário, os materiais, mapas e demais objetos que a caracterizavam. Tal como aconteceu nas restantes “estações”, os professores do Departamento fizeram o enquadramento temporal, social e político da época, bem como a visita guiada das turmas.

Celebrar com a dignidade, e a qualidade exigida, organizar atividades tão desafiantes e plurais, relativas a esta efeméride e ao seu tão grande significado na história nacional, congregou o melhor das partes envolvidas.


Como é incontestavelmente aceitável e, portanto, compreensível – num regime plural e aberto, como é a democracia – um tão vasto conjunto de atividades não mereceu o aplauso de todos. Mas, mereceu larguíssimos encómios e demais encorajamentos da maioria da comunidade educativa, que sentiu como sua cada uma das atividades apresentadas.


Valeu a pena? Como tão admiravelmente escreveu o poeta Fernando Pessoa (Poeta tão notável e objeto de culto em todo o mundo) "Tudo vale a pena se a alma não é pequena." E a democracia, a liberdade, a igualdade, a dignidade de cada ser humano, valem tudo.


Nascemos livres. Somos livres e iguais. A cada batimento.


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