sábado, 30 de abril de 2022

50 anos do Liceu/ESSMO - 4º vídeo

O quarto dos vídeos relativos ao espetáculo dos 50 anos do Liceu/ESSMO.

ACNE

Com Anaís FernandesFrancisca PortoCristina PouseiroTiago Chico, Francisco Silva e Nuno Fernandes.

Celebrar

Celebrámos a revolução. Mais um ano, mais uma vez. Celebrámos abril e tudo o que abril significa, celebrámos a democracia, a liberdade, a vida. Ouvimos gritos de emoção, ouvimos palavras de ordem, revivemos a revolução. Para mim, neto de abril, ficar também emocionado com estes gritos parece-me inevitável. As palavras de ordem começam a ser também as minhas, revivo a revolução que nunca vivi. A verdade é que, para uma pessoa da minha idade, a única coisa que tenho do 25 de abril é a recordação dos outros. Talvez isso seja suficiente. Ou talvez não. Talvez nunca saberei o que verdadeiramente significou abril. Talvez, no que diz respeito a abril e ao estado novo, ficarei para sempre refém da minha imaginação. Ainda bem. Hoje, como o jovem que sou, abril é a memória de outros, mas é também futuro. Um futuro livre e democrático, um futuro melhor com que, como neto de abril, não ouso sequer deixar de sonhar.

André Pereira

Eu, livre, oiço e vejo pessoas a falar da revolução. Vejo entrevistas, leio artigos e até eu próprio os escrevo, mas não vejo futuro. De que valem palavras caras num país pobre e desigual. Sinto as recordações dos outros, mas não sinto ambição nas suas palavras. Talvez seja porque sou jovem. Talvez seja falta de maturidade. Talvez seja utopia. Mas em que momento é que perdemos aquela que foi a maior conquista de abril: o direito a sonhar? Oiço passado e oiço conformismo, oiço aqueles que dizem o que todos querem ouvir e oiço aqueles que se dizem muito preocupados com estes últimos. Na verdade, não oiço nada. Nada de novo. Nada a que aos novos diga respeito. Tenho pena e tenho ambição. Tenho pena que eles não tenham ambição.

Talvez esteja a ser injusto. Talvez ainda haja quem ouse, à luz de abril, adivinhar um futuro que ainda falta cumprir. Mas, e como há sempre um mas, nem com esses inconformistas eu me conformo. Uns, vítimas do tempo e do progresso, gritam abril aos quatro cantos não percebendo que o abril que idealizam já não existe e que um futuro planeado a pensar no passado não passa de teimosia. Já os outros, mais modernos e elegantes, são vítimas da lógica e do bom senso. Estes querem abril, querem novembro, querem liberdade. Querem tanta liberdade, mas não se conseguem libertar do espartilho das suas convicções ideológicas. Parecem comerciantes. Parecem comerciantes a tentar vender-nos medidas que nos trarão um futuro glorioso. É inevitável esse futuro glorioso, cheio de aquilo a que chamam liberdade. É inevitável, está escrito nas estrelas. Mas, entretanto, as estrelas contemplam um dos países mais desiguais da europa que é o nosso. E, no meio de tantas constelações, eles distraem-se e esquecem-se que a “liberdade sem regras conduz à escravidão”.


Fico, então, com a sensação de que ser neto de abril não é mais do que isto: um permanente inconformismo, até com os inconformistas. Mas, pensando um pouco mais, percebo que não. Ser neto de abril é sonho, mas não é utopia. É nunca perder o rumo de vista, mas não é ficar cego de tanto idealizar esse rumo. Ser neto de abril é, com o modernismo que o presente nos merece, não ver o mundo a preto e branco e ter sempre a ambição de lhe dar um pouco mais de cor. É perceber que o mundo é complexo, vendo esse mesmo mundo sem complexos. O que quero? Quero ânsia por algo melhor, algo novo. O que quero? Quero realismo e sonho, pois só assim posso tornar o sonho realidade. O que quero? Quero viver num caminho eterno rumo ao horizonte que é abril. Esse horizonte que será, para sempre, brilho nos olhos de um neto de abril. Celebremos isso!

André Peixoto Pereira

 

*Este projeto foi realizado pela Associação de Estudantes da ESSMO de modo a celebrar o 25 de abril e a revolução dos cravos. A associação de estudantes deixa um especial agradecimento a todos os que nos concederam entrevistas, a todos os que escreveram artigos e a todos aqueles que os leram. Um agradecimento também a todos os professores que colaboraram no processo, em especial à professora Maria do Céu Baião.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Entrevista a Mário Nogueira

O convidado dispensa apresentações, mas apresenta-se como um homem livre, tem a certeza disso. No 25 de abril de 1974, era aluno do Liceu (Tomar) e, quarenta e oito anos depois, regressa à sua escola para dar um testemunho à associação de estudantes de que, em tempos, fez parte. Hoje, sente-se bem porque sente que sempre fez aquilo que gostava de fazer e que, em liberdade, decidiu fazer.

No 25 de abril de 74 ainda era um jovem, tinha 16 anos, quem é que era o Mário Nogueira nessa altura? O que fazia? Já tinha alguma consciência política?

Era aluno deste Liceu. Tinha alguma consciência daquilo que era a ditadura. O meu pai era até um dos principais responsáveis pela oposição democrática em Tomar. Na minha rua, um vizinho meu, era militante do PCP e, de vez em quando, era preso. Tinha, assim, alguma consciência da situação. Até porque pertencia à associação de estudantes…

Já existia uma associação de estudantes?

Tínhamos uma associação de estudantes interna, sim. Tínhamos também a sorte de ter um reitor que era um homem aberto e democrático. Deixava-nos organizar, por exemplo, a feira do livro. Nós já tínhamos consciência que a situação não era normal, que não se podia falar. Tínhamos de tal forma noção das limitações que, no dia de 25 de abril, uma colega da minha turma, saiu da escola e começou a gritar “Viva a liberdade” e o pessoal foi mandá-la calar e a fugir. Tinha-se medo.

Essa manhã, depois de sair de casa, vai para a escola. Quando chega à escola, o que é que viu?

Nós já tínhamos, em casa, percebido que se passava alguma coisa porque, de manhã, já haviam comunicados do Movimento das Forças Armadas (MFA) e até as músicas que passavam eram diferentes do habitual. Acabamos por não ter aulas.

Vai para a escola, acaba por não ter aulas. Como é que foram os dias seguintes?

Sobretudo depois, no 1º de maio. No dia 25, houve muitas saídas espontâneas. Depois, o 1º de maio juntou muita gente. No início, o próprio golpe tinha de tudo um pouco. Por um lado, havia quem queria mudar o regime. Por outro lado, quem contestava as pessoas que lá estavam, mas não o regime. Nos dias seguintes não houve aulas, não se falava de mais nada.

Sentiu-se nesses dias uma “explosão de liberdade”?

Sim, as pessoas começaram a fazer as suas revistas, criou-se aqui um centro cultural em Tomar…. Foi um boom de coisas a que não tínhamos acesso até aí. Na intervenção política, os exageros são normais para quem está a viver um período revolucionário, espacialmente para quem a está a viver naquela idade. Foi um tempo que marcou muito uma geração. 

Entre esses exageros está uma barricada. Uma barricada que você coordenou?

Não, não coordenei, mas fazia parte do núcleo duro. Era o meu ano. O ano da revolução foi um ano verdadeiramente atípico. Por isso, as regras no acesso ao ensino superior foram bastante facilitadas, digamos assim. No ano seguinte, o ministério volta às regras anteriores ao 25 de abril. Mas, em vez de fazer um despacho a explicar as razões, pegou num decreto do estado novo e republicou-o. A gente quando viu aquilo na vitrine do liceu… Bom… a primeira coisa que voou foi a vitrine. Era o despacho “fascista”. E começa aí a contestação. Fomos então fazer uma reunião geral de alunos no pavilhão do SCT e decidimos fazer greve. Havia pais que queriam obrigar os filhos a ir para as aulas e que foram ao pavilhão para obrigar os seus filhos a ir às aulas. Nós, para não deixarmos isso acontecer, colocamos umas carteiras no cimo da escadaria, ligámos umas mangueiras a umas torneiras e lá nos barricamos. Depois o Liceu fechou e não houve mais aulas até ao final do ano. Isto depois foi a nível nacional. 

Depois foi para Coimbra e é nomeado para o conselho pedagógico, que na altura tinha paridade entre alunos e professores, e começa aí eu seu período de intervenção…

Sim. Essa paridade é muito importante. Se nós queremos uma escola que forme para cidadania democrática, a própria escola tem que ser uma organização democrática e, na nossa opinião, não tem. Isto não tem a ver com a vossa escola, não tem a ver com as pessoas, mas nós temos que ter direções que representem a comunidade escolar. Esse é um dos problemas mais graves na educação, nos últimos anos: a falta de participação dos jovens nas decisões das escolas. No órgão pedagógico devem estar os pedagogos e aqueles que são diretamente envolvidos que são os alunos. A questão da paridade já é mais discutível. No ensino secundário, a participação parece-me fundamental. 

Depois de uma vida que foi e que é de intervenção. Depois de ter vivido o 25 de abril e de, de certa forma, ainda viver todos os dias nas lutas que trava na vida pública, acha que se falta cumprir abril?

Não acho. Não se pode dizer que falta cumprir abril. Se nós reduzirmos abril aos 3 d´s (descolonização, democratização e desenvolvimento) estava mais que cumprida. Quer dizer… o desenvolvimento “tem dias”. Por um lado, eu acho que seria inevitável Portugal estar nestes contextos porque estamos na Europa e, hoje em dia, no espaço europeu a relação entre países é inevitável. Também é verdade que o facto de se integrar esses espaços do ponto de vista político e institucional acabamos por ser limitados na soberania dos países. 

Passada toda uma vida completa de participação ativa. Sente-se hoje um homem livre?

Sim. Completamente. Não tenho problema nenhum em afirmá-lo. Sinto me livre de defender aquilo que entendo, de dizer aquilo que quero. Eu só não estou nas redes sociais porque acho que não são um espaço de liberdade. Mas sinto-me bem porque sinto sempre que fiz aquilo que sempre gostava de fazer e que em liberdade decidi fazer.


*Esta entrevista foi conduzida por
André Peixoto Pereira e por
Maria Inês Graça
(Associação de Estudantes da ESSMO)


50 anos do Liceu/ESSMO - 3º vídeo

O terceiro  dos vídeos relativos ao espetáculo dos 50 anos do Liceu/ESSMO.

Com Mikita Nedzelskiy, Leonor Pires, Inês Simões, Júlia Quadros e Ana Roque.

50 anos do Liceu/ESSMO - 2º vídeo

O segundo dos vídeos relativos ao espetáculo dos 50 anos do Liceu/ESSMO.

Com Mikita Nedzelskiy.

Bibliotecando em Tomar

 É com agrado que informamos que o "Bibliotecando em Tomar" está de regresso - dia 6 e 7 de maio.

A organização de ”Bibliotecando em Tomar” é multipolar, numa organização conjunta do Agrupamento de Escolas Nuno de Santa Maria,  Agrupamento de Escolas Templários, Câmara Municipal de Tomar, Centro de Formação “Os Templários”, Rede de Bibliotecas Escolares, Instituto Politécnico de Tomar e Centro Nacional de Cultura. Tem sempre lugar na primeira sexta-feira e sábado do mês de maio, coincidindo com a iniciativa municipal do “Congresso da Sopa”, reforçando, assim, a ligação à comunidade. Refira-se ainda que tem como presidente da Comissão de Honra o Professor Doutor Guilherme d’ Oliveira Martins.

Os debates deste ano organizar-se-ão em torno do seguinte tema central: Presença e exílio – leituras em diálogo.


Mais uma vez contamos com um grande leque de oradores, que abordarão a temática de diferentes prismas e que, simultaneamente, se completam, num diálogo construtivo de múltiplas vozes, numa dialética que se pretende original e construtiva.

Site oficial:

http://www.bibliotecandoemtomar.ipt.pt/


A ficha de inscrição está disponível no seguinte link: 

https://forms.gle/XGUC5YrnptoT84og9

Dia da Terra (EB1 Raul Lopes)

A Turma Tr_1A debateu sobre os problemas que afetam o Planeta Terra.



Concluíram sobre as medidas para a melhoria.




Encontro de Gerações - Década de 70 e anteriores

Há novas datas para os encontros de gerações do Liceu-ESSMO.

Os alunos da década de 70 e anteriores é já a 7 de maio, sábado, pelas 16:00 h.

Aqui fica o link, para que todos se possam inscrever:

https://forms.gle/NAwkS5ZMCen8dkG99




quinta-feira, 28 de abril de 2022

Abril, hoje e sempre!

Fui agradavelmente desafiada pelo André Pereira para participar no Projeto "Os Netos de Abril", com a finalidade de dar o meu (modesto) contributo concretizando a ideia e a“vivência” que tenho do 25 de Abril de 1974.

Sílvia Serraventoso
(foto perfil Facebook)

Eu pertenço à chamada “Geração de Abril”. Ou seja, os "filhos de Abril". Os filhos de pais que viveram o 25 de Abril, a Revolução dos Cravos. O antes e tudo o que se lhe seguiu depois.

Nasci em 1978. Quatro anos depois, ainda era tudo muito recente.

Muito cedo tive conhecimento e consciência da importância dessa data. Os meus pais, mas especialmente, o meu pai, sempre fez disso questão.

O meu pai, na altura estava a terminar a licenciatura em Educação Física em Lisboa, no ISEF ( Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa) que interrompeu para ir prestar serviço militar que era, na altura, obrigatório. Mais ainda: com a guerra colonial em curso, tinha formação em artes marciais e por isso estava referenciado pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).

Teve sempre muita ligação às artes: música, pintura, teatro. E nessa altura tudo o que era proibido (censurado) era ainda mais apetecível.

Desde sempre me lembro de ouvir, na noite da véspera da data e durante o dia, a chamada "música de intervenção" a tocar em casa.

O meu pai chamava-nos (a mim e ao meu irmão, mais novo), para ouvirmos as músicas mas essencialmente para lermos as letras. Costumava dizer: “Para conhecer o 25 de Abril, o antes e o depois, é importante ouvir e perceber as letras das canções.”

Ouvia-se e lia-se: Fausto, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Francisco Fanhais, Pedro Barroso, Manuel Freire e claro José (Zeca) Afonso. Músicos que escreveram as suas músicas no exílio para não serem presos e/ou mortos pelo regime, como foi o Padre Francisco Fanhais.

A música de Zeca Afonso ‘O Pintor morreu’, foi escrita para homenagear e denunciar o assassinato do artista plástico José Dias Coelho pela PIDE numa rua de Lisboa.

Era assim que se vivia no Estado Novo. 

O meu pai tinha (e tem), uma coleção invejável de história de a respeito do 25 de Abril: música, livros, revistas, jornais, cartazes…

A mensagem que me passou:

Essencialmente que a LIBERDADE de um ser humano é o bem mais precioso que se tem.

Liberdade em todas as suas dimensões: pensamento, criatividade, sonhar, projetar, criar, opinar. Só se pode VIVER, VIVER PLENAMENTE em LIBERDADE.

O respeito pelo próximo. A não exploração do homem pelo homem.

A importância, o significado dos chavões de Abril: “A Paz. O Pão. Habitação. Saúde. Educação”, para que possa haver LIBERDADE a sério, como diz a música de Sérgio Godinho ‘Liberdade’.

A importância de um Estado Democrático, que defenda e fomente DIREITOS, LIBERDADES e GARANTIAS.

Aprendi que o 25 de Abril de 1974 foi fundamental para alterar a função/papel da mulher na sociedade e na família.

A Constituição de 1976 foi/é sem dúvida um marco na história da nossa Democracia ainda jovem.


E foi graças à Revolução de Abril que se instituiu o sufrágio universal em Portugal – o direito a votar e à criação de partidos políticos. 

Foi fundamental ler ‘As Novas Cartas Portuguesas’, das “três Marias”, como ficaram conhecidas (nacional e internacionalmente): Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa. A publicação desta obra, nos anos 70, assumiu um papel central na queda do regime ditatorial dirigido por Marcelo Caetano. Este livro revelou a existência de situações discriminatórias graves que aconteciam em Portugal relacionadas com a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico e a condição da mulher social e economicamente (casamento, maternidade, sexualidade feminina.

Este livro essencial, quase de leitura obrigatória, pelo seu interesse histórico, denunciou também as injustiças da guerra colonial e as realidades dos portugueses enquanto colonialistas em África, emigrantes, refugiados ou exilados no mundo e, “retornados” em Portugal.

E como dizia a letra da música de Francisco Fanhais - Cantilena: 

«Cortaram as asas ao rouxinol. Rouxinol sem assas não pode voar.
Quebram-te o bico rouxinol. Rouxinol sem bico não pode cantar.»

A música não é uma música “naive” sobre um pássaro mas, um eufemismo que esconde a dura e triste realidade de um povo oprimido sob um regime ditatorial e repressor.

Esta e outras figuras de estilo eram muito usadas para que música, textos pudessem passar despercebidos à censura da PIDE (ao lápis azul).

Mas “o mundo pula e avança” e com esses avanços outras exigências outros “ritmos” de vida, outras exigências. 

Mas sem dúvida não poderemos saber para onde vamos sem saber de onde viemos.

E acima de tudo, não podemos avançar plenos, sem aprender com os erros do Passado.

VIVA o 25 de Abril!



Sílvia Serraventoso
Advogada
Presidente da Delegação da Ordem dos Advogados de Tomar


Entrevista a Natália Cardoso

Quem é que era a professora Natália no 25 de abril? Que idade tinha? Onde é que estava? Enfim, quem era a professora Natália no 25 de abril?

Eu era uma teenager. Estava na Guiné. Tinha casado há cerca de 2 anos com um militar de carreira, da Academia, que tinha sido destacado para ir para a Guiné. Estava na Guiné Bissau, na capital Bissau.

Natália Cardoso
(foto perfil Facebook)

No momento, no próprio dia, soube da existência do 25 de abril?

Eu vivia sozinha, numa casa muito velha. Ia a pé, para as minhas aulas, com os meus livrinhos, para a escola Comercial e Industrial de Bissau, no dia 25 de abril.  No caminho, encontrei um militar meu amigo que me disse que tinha havido uma revolução em Lisboa, mas eu quis ir para a escola na mesma. Entrei e uma grande confusão....  e vários militares guineenses armados. Naquele momento, tive muito medo. Quem me salvou foram as minhas alunas que lá explicaram aos militares que eu era “a professora amiga” e acabaram por me levar para casa, onde fiquei. Dois dias a seguir, o meu marido veio “do mato”.

Em que ano é que a professora foi para a Guiné?

Setembro de 1972

Estando primeiro e depois estando , como é que se sentia a guerra? Sentia que era uma guerra injusta?

Eu sou duma geração que sabíamos da dureza da guerra no Ultramar, e dos soldados que lá morriam. Eu era uma miúda e depois fui para as Belas Artes. As Belas Artes era um local de ensino diferente dos outros, a todos os níveis.  Era ali que se encontravam com frequência os cantores de intervenção assim como atores, poetas...

Antes disso quando estava em Portugal sentia-se, ainda não tinha consciência, mas sentia alguma repressão por parte do Estado Novo?

Não. Eu só me comecei a perceber de algumas coisas quando fui para as Belas Artes, porque, como já referi era um espaço onde se encontravam pessoas com ideias diferentes.

Depois, quando é que voltou para Portugal?

Vim sozinha para Portugal em maio. Mas voltei depois a Bissau na altura da independência porque o meu marido ainda lá estava.

Acha que a transição na questão da independência das colónias devia ter sido feita de outra forma?

Eu não tinha conhecimentos nem opinião sobre esse tema.  Mas quero referir, quando se fala sobre o tema do colonialismo, que nós, e quando digo "nós", refiro-me aos professores, éramos amigos dos alunos e da população.

Depois regressa a Portugal. O que é que sentia em Portugal uma regressada que não via Portugal há anos. Não se notou a explosão de liberdade?

Como eu vim para Tomar passado um mês do 25 de Abril, as emoções já tinham acalmado.

Voltando à guerra. Você era mulher de uma pessoa que não via durante semanas. Ele ia para o mato. Como é que uma esposa se sente, para além de incerteza e de medo, quando o seu homem está desaparecido?

 O que valia era a companhia que tinha dos meus alunos, passava o dia inteiro na escola.


Ganhou, nos períodos a seguir ao 25 de abril, alguma consciência política?

Não…. Algumas revoltas interiores sim.... 

A política, dessa forma, afetou-a diretamente?

Sim, sim, sim…. Muito...

Depois deste tempo todo e de todas as suas revoltas, como é que olha para a revolução na sua totalidade ao longo do tempo?

Depois do 25 de abril, passei por muitas desilusões. Mas, atenção, “25 de Abril Sempre”, porque se não tivesse existido, os nossos soldados continuavam a morrer no Ultramar.

Acha que, nesse sentido, se cumpriu abril?

Sim.  Mas ainda há muito por fazer...

Passado isso tudo. Ter estado na guerra, ter vivido todos esses momentos. Ter sofrido. Sente-se hoje uma mulher livre?

Sim. Sim.  Eu sempre fui uma mulher livre a todos os níveis. Livre e com o direito de dizer o que penso, isso é o mais importante.

 

50 anos do Liceu/ESSMO - 1º vídeo

O primeiro dos vídeos relativos ao espetáculo dos 50 anos do Liceu/ESSMO.

A "Small Big Band" com Joaquim Roberto (Quim Zé) e os alunos do Curso Profissional de Música do AET.

O 25 de abril na BECRE da EDNAP

Hoje a biblioteca escolar da Raúl Lopes e da EDNAP festejaram o 25 de abril, com histórias, filmes, escrita e reflexão sobre o 25 de abril.


Num cenário criado pela Teresa ( a nossa artista da biblioteca) algumas turmas do 2º ciclo partilharam connosco este dia. 


Esperemos ter valido a pena, e que os alunos não esqueçam a importância deste dia, para a História de Portugal.


Maria João Delgado

Caça aos ovos

A atividade da caça aos ovos no JI Raul Lopes foi uma realidade e proporcionou momentos de alegria e boa disposição a todas as crianças que nela participaram.






quarta-feira, 27 de abril de 2022

Minicimeira da Terra - 7ª Edição

Na sexta-feira, dia 22, assinalou-se o Dia Mundial da Terra e realizou-se a 7ª edição da Minicimeira da Terra.


A atividade, que decorreu durante a manhã na Biblioteca Municipal, contou com a presença e participação de todas as turmas do 8º ano, acompanhadas pelos seus professores.



Foram apresentados 14 trabalhos realizados no âmbito das disciplinas de Ciências Naturais, Inglês, Artes de Palco e Complemento à Educação Artística.



Houve momentos musicais, poesia e apresentações de teor mais académico, todas relacionadas com as problemáticas ambientais da atualidade.




A guerra colonial vivida na primeira pessoa

Um testemunho

Terminava a década de sessenta e, em Portugal, vivíamos em pleno Estado Novo, um regime político ditatorial e autoritário que tentava manter a todo o custo as suas colónias ultramarinas, consideradas uma fonte de prestígio e de orgulho nacional, ao mesmo tempo que os povos desses territórios procuravam a sua autodeterminação. Nesse tempo, lá fora condenava-se o colonialismo e os outros países abandonavam massivamente os seus territórios ultramarinos. Apesar de toda a pressão internacional, inclusive da própria ONU, o regime continuava a alimentar a Guerra do Ultramar. Eu era então um jovem como quase todos os que foram obrigados a ir participar nessa mesma guerra.

Tinha acabado o meu curso de Educação Física e preparava-me para entrar no mercado de trabalho, mas sempre receoso de ser chamado para o serviço militar obrigatório. Não fui exceção e, como tantos outros, fui chamado para integrar as fileiras das forças armadas. Até partir para uma das frentes de batalha (Guiné, Angola ou Moçambique) seria uma questão de tempo. E assim foi. Estava eu no quartel de Espinho, quando fui chamado ao comandante para me informar que iria gozar uns dias de férias, para me despedir da família antes de embarcar para a guerra colonial de Moçambique.


Numa demorada viagem de barco, depois de deixar Lisboa, desembarquei em Nacala, com destino a Pundanhar, em Cabo Delgado. Pundanhar ficava junto ao rio Rovuma. Não era uma cidade, nem uma vila, era apenas um aldeamento com palhotas e sem quaisquer instalações militares, minimamente apropriadas. Os soldados dormiam em “quartos” escavados na terra. Não havia nem luz elétrica nem água. A comida era de subsistência e de péssima qualidade: a água que bebíamos, de cor esbranquiçada, era transportada em bidons, faltavam-nos legumes e por vezes também a carne, o arroz trazia sempre uns bichinhos de surpresa.                    

Longe de tudo, “presos” no aldeamento, o tempo custava a passar. Éramos quase todos muito jovens e a juventude pede movimento, pede liberdade. Com vinte e poucos anos, quase meninos, tínhamos sido obrigados a deixar abruptamente lá muito longe, no continente, o conforto das nossas casas, os nossos empregos, a nossa família, os nossos amigos…. Para além de nós, militares, apenas contactávamos de vez em quando com alguns habitantes locais, que viviam em palhotas num pequeno e pobre aldeamento ali por perto e a quem dávamos algum apoio.  Naquele isolamento, havia uma avioneta, que nos visitava ocasionalmente e que nos ligava ao resto do mundo. Quantas vezes ansiei pela sua chegada!


Eram apenas duas as oportunidades de se sair da vedação de arame farpado: ou em operações militares por perigosas picadas e por mato cerrado ou nas colunas de viaturas militares para ir a Palma fazer reabastecimentos de víveres e de outros bens de subsistência. Entre esses acontecimentos procurávamos que o tempo passasse. É natural que um jovem anseie sair, mas nós partíamos sempre apreensivos e receosos de que, pelo caminho, explodisse alguma mina ou fôssemos atacados por aqueles que chamávamos inimigos…e muitas vezes fomos atacados quando regressávamos a Pundanhar! O cenário tornava-se então ainda mais dantesco: viaturas destruídas, mortos e feridos, sem haver condições de socorro imediato para os feridos.

Nestas ocasiões, depois de chegarmos a Pundanhar, tornava-se necessário chamar, via rádio, uma avioneta estacionada em Mueda para se fazer a respetiva evacuação para o hospital de Nampula. Mas, como a avioneta só podia voar de dia, nem sempre este meio de socorro chegava a tempo. E, quando tal acontecia, ficávamos com um camarada morto à espera que fosse possível aterrar uma avioneta ou organizar uma coluna até Palma para levar a respetiva urna. Mais uma família enlutada. Mais uma mãe que choraria a morte do seu filho. E até nestas situações, percorrer os 40 quilómetros entre Pundanhar e Palma consistia num perigo devido aos possíveis ataques e às constantes minas colocadas na picada.

 o tempo parecia nunca mais passar. Olhávamos uns para os outros, pensando quando se lembrariam de nos tirar daquele “buraco”. Ali nada chegava sem termos de correr riscos de o ir buscar. 

Sentíamo-nos esquecidos, abandonados. Faltava-nos conforto, alimentos, e até o correio, que de quando em vez a avioneta nos trazia, chegava a demorar 10 e 15 dias! Era a vinda das notícias possíveis dos familiares e amigos, mas muitas vezes abertas e lidas pela polícia política da PIDE antes de chegarem às nossas mãos, não fosse alguém dizer mal dos que nos tinham obrigado a ir para a guerra! 

E foi nesta situação que tivemos de sobreviver durante mais de dois anos das nossas vidas, não contando o tempo de formação aqui no Continente. Dois anos da nossa juventude. Naquela idade em que tínhamos o direito de ter vivido e de nos termos divertido.

Os anos mais apetecíveis da nossa vida, da minha e daqueles milhares de jovens empurrados para a Guerra Colonial, foram-nos roubados pelos ditadores que viviam em Lisboa e onde nada lhes faltava. Diziam-nos que nos orgulhássemos, pois lutávamos pela Pátria. Felizmente que o 25 de abril de 1974 aconteceu e pôs um término a esta situação, reconhecendo aos povos das suas antigas colónias o direito à autodeterminação. No porto de Lisboa, local onde embarcavam normalmente os militares, gritava-se “Nem mais um soldado para o Ultramar!”. A Guerra Colonial finalmente terminava.

Todas as guerras são violentas. Todas as guerras deixam, inevitavelmente, traumas para toda a vida em quem nelas se vê obrigado a participar. A Guerra Colonial não foi diferente. E estes traumas vividos pela minha geração foram/ são ignorados ou esquecidos por quase todos. Só os que viveram estas situações não se esquecem delas, porque ainda hoje os marcam negativamente. 

E ainda há quem aplauda as guerras!

Mário Tolda Garcia


Entrevista Carlos Trincão

Apesar de ter apenas quinze anos, lembra-se da “explosão de liberdade” que a revolução representou. Hoje, passados quarento e oito anos, não tem dúvidas que “Abril cumpre-se em cada momento. Ele está cumprido, mas se nós não o continuarmos a fazer cumprir todos os dias, ele desaparece.”

Um professor e dois alunos sentados no meio de uma sala polivalente. Mais do que falar de abril, faz-se abril.


Quem era o Carlos Trincão no dia 25 de abril de 1974? Como é que o jovem Carlos Trincão viu o dia 25 de abril de 74?

O 25 de abril em 74 calhou em um dia de semana. O que eu me lembro mesmo é estar a ver a entrarem em Tomar, vindos de lisboa, muitos carros de combate. Imagino que vinham em direção ao Regimento de Rnfantaria 15. A grande surpresa foi quando cheguei ao Colégio. Naquela altura toda a gente tinha um rádio portátil. Naquele dia, a malta não estava com o rádio nos ouvidos, estavam com o rádio para todos estarem a ouvir. Foi nessa altura que eu me apercebi que tinha acontecido alguma coisa de anormal. Primeiro porque a malta estava de volta dos rádios de uma forma anormal. Segundo, os professores vinham ter connosco. Terceiro, não tocou para a entrada. Ao primeiro tempo nem houve aulas. Aquilo foi uma explosão de liberdade. As pessoas perceberam, logo naquele instante, que podiam começar a falar de forma diferente. 

Nessa altura tinha quinze anos. Já tinha consciência política?

Não. A única consciência política que eu tinha na altura era sobre a PIDE. 

Não teve aulas no primeiro tempo e depois? Como é que foi o resto do dia?

Depois houve aulas, mas não havia. Porque os rádios estavam a funcionar nas aulas. No primeiro dia, nós acompanhamos a par e passo o desenrolar dos acontecimentos. Foi a partir daí que a gente começou a cantar a “Grândola” e o “E depois do adeus”.

Normalmente fala-se em algum medo que se sentia na altura. Para um jovem esse medo talvez seja mais relativo, mas, nos dias 25 e seguintes, sentia-se nos professores, e nas pessoas adultas algum medo?

No dia 25 de abril desapareceram os medos todos, se é que os houvesse. Em Lisboa aconteceu o que aconteceu. As coisas foram muito rápidas. As pessoas naquele dia não foram para o trabalho. Foram para a rua. Portanto, aquele golpe de estado militar transformou-se numa revolução.

Porque, inicialmente, era só um golpe militar…

Porque aquilo nunca foi concebido como nenhuma revolução. Foi sempre concebido como um golpe de estado militar para retirar do poder um conjunto de gente que não servia. Transformou-se em revolução a partir do momento em que o primeiro cravo foi colocado numa espingarda, foi a adesão popular imediata. 

Há uma frase atribuída a Salgueiro Maia, quando ele partiu do quartel de Santarém para Lisboa que é: “Existem os estados capitalistas, existem os estados socialistas e existe o estado a que isto chegou. Hoje, vamos acabar com o estado a que isto chegou”. Acha que o estado a que o regime havia chegado era insustentável?

Na altura não tinha consciência disso. Na altura a única consciência era que, no momento em que eu acabasse o dito liceu e eventualmente chegasse à universidade, dois anos depois, tinha a vida cortada porque ia para África. O que mais me atemorizava era ver na televisão a preto e branco, na altura do natal, as mensagens de boas festas e ano novo que a RTP ia fazer a África. Aquilo a mim dava-me muita ansiedade porque estava a ver aqueles jovens a desejar boas festas às famílias e a gente sabia que, se calhar, alguns no mesmo dia em que aquilo estava a passar na televisão cá, já tinham morrido. Com a abertura que houve no plano da informação, depois do 25 de abril, quando a informação passou a chegar sem restrição, foi quando começamos a formar alguma consciência, começámos a perceber que as coisas eram insustentáveis. 

Depois da revolução vai para Coimbra e envolve-se em estruturas como a Associação de Estudantes, tendo um papel de ativismo político bastante importante. Como é que se sentia Coimbra nessa altura? 

A grande diferença aconteceu em 76 porque, entretanto, tinha havido as eleições, e o Ministro decidiu  que as escolas do magistério já não deviam ser comandadas, como eram, pelo PCP. Então, dois anos depois de se fazer as reformas, fez se a contrarreforma e acontece que, no país todo, durante o primeiro período, as escolas do magistério estiveram fechadas. Estávamos em inícios de outubro. Quando toca o telefone, eram os meus colegas de Coimbra a dizer que eu tinha que ir para Coimbra porque o Conselho Pedagógico, contra a vontade do Ministro, ia avançar com as atividades pré letivas. O que é que tinha acontecido? A esquerda do Conselho Pedagógico, alunos e professores, decidiram abrir a escola e criaram um programa com jornal, com atividades e conferências para fazermos no primeiro período. O diretor abriu a escola. Fez-se uma reunião geral de alunos, para falar das atividades pré letivas. Aquilo correu mal logo no terceiro dia porque no terceiro dia chegamos à escola e estava cercada pela polícia. Tinham vindo ordens do ministério via governo civil e que, tendo se ocupado a escola, não era possível a escola estar assim. Eu e alguns colegas somos escolhidos para ir ao governo civil. Vamos, surpreendentemente, somos recebidos pelo governador civil e ele, vendo o nosso programa, percebeu que nós tínhamos razão e mandou levantar o cerco. Quando chegámos à escola, fomos recebidos como heróis. Fomos recebidos com salvas de palmas, como se fossemos os grandes libertadores daquela escola. De certa forma, sentimos ali que tínhamos feito o nosso 25 de abril. 


Depois de serem feitos o 25 de abril de 74 e esses vários 25´s de abril, Portugal continua a andar.  Às vezes fala-se que de todos os sonhos que existiam nessa altura, nem tudo foi concretizado. Acha que se falta cumprir abril?

Não. Abril está cumprido. Houve a descolonização, houve a democratização. Está tudo cumprido. Já em 76 se dizia que era preciso força bastante para fazer um abril novo. Se a gente considerar que o abril era para eu ter uma sociedade de esquerda, com um determinado tipo de valores, e se eu neste momento tenho um mundo que me apresenta um espetro partidário que tem como terceira força política o CHEGA, eu não posso estar satisfeito. Ou posso? Posso. Porque se o CHEGA existe é porque eu consegui criar uma sociedade que é perfeita na sua diversidade, é tao perfeita que permite as imperfeições e que eu consigo viver com elas e superá-las. O abril está feito mesmo com a extrema direita. Se o 25 de abril foi para libertar o pensamento, se eu sou castrador da extrema direita estou a ser pior eu que eles. Se calhar o abril está cumprido e foi cumprido o mais depressa do que a gente pensa. Abril cumpre-se em cada momento. Ele está cumprido, mas se nós não o continuarmos a fazer cumprir todos os dias, ele desaparece. 

Extrapolando para os dias de hoje e para a nossa geração. Você faz parte da geração que assistiu ao 25 de abril. Que conselho daria aos "Netos de abril"?

Por muito idílico que isso seja, é a liberdade enquanto valor abstrato que nos determina, portanto, eu não posso dar conselhos a quem é tão senhor da sua identidade como eu. No plano da intervenção civil não posso dar conselhos. Em todos os momentos, em momentos chave, devemos fazer sempre duas perguntas: eu estou a ser livre? Eu estou a deixar que o outro seja livre? Se tu responderes que sim às duas perguntas, estás a cumprir abril. Não precisas de mais.


* Este testemunho foi recolhido pela Associação de Estudantes da ESSMO (a entrevista foi conduzida por André Peixoto Pereira e por Maria Inês Graça)


terça-feira, 26 de abril de 2022

Democracia, Liberdade e Participação Cívica

 Abril é um mês muito especial do calendário. Para muitos é a renovação cíclica da Mãe-Natureza, associada aos pássaros que chegam do Sul e à exuberante pujança da Primavera, que cobre os campos de verde e de flores.



Abril é, para os Portugueses, o mês da Revolução que trouxe, de volta, a democracia e a liberdade, depois do longo garrote da ditadura. Entre maio de 1926 e abril de 1974, o nosso país viveu sob essa tenaz. Se se associar os pássaros à democracia, porque o seu voo é livre e não conhece fronteiras, pode afirmar-se que a andorinha foi ferida em maio pelo golpe militar que acabou com a 1.ª República, mas renasceu na manhã mais luminosa de abril.



Abril, para muitos jovens do Agrupamento Nuno de Santa Maria, também está a ter um significado muito especial, já que participaram em vários projetos da maior importância cívica, fazendo ouvir a sua voz na apresentação de medidas, cujo propósito é contribuir para um reforço da democracia - de há anos para cá fortemente abalada pela desinformação e manipulação da comunicação - para uma sociedade melhor, mais justa e fraterna.



Assim, no âmbito do programa educativo Parlamento dos Jovens, iniciativa anual promovida pela Assembleia da República, a lista do ensino básico (composta pelos alunos António Carvalho, Francisca Brito e Laura Pereira) e a do ensino secundário (composta pelos alunos André Pereira, Leonor Tolda, Mariana Lopes e Bruno Mendonça ) participaram na fase distrital do programa , que este ano se realizou nos dias 4 e 5 de abril, nos Cineteatro de Rio Maior e da Chamusca, respetivamente.



Este ano, o tema em discussão era as “Fake News”, a sua larguíssima disseminação e o perigo que as mesmas representam para os regimes democráticos. Os alunos apresentaram as suas propostas com muita qualidade na substância e na forma e debateram com vivacidade e convicção as ideias colocadas nos plenários, representando com grande dignidade o Agrupamento.



Na sessão do ensino secundário, a muito exigente função de Presidente da Mesa foi exercida pelo aluno Rodrigo Neves .A grande qualidade da sua prestação, ao longo do dia, foi muito elogiada por todos: deputada da Assembleia da República, presidente da Câmara da Chamusca e demais convidados, bem como pelos seus pares e professores acompanhantes.



No dia 21 de abril, realizou-se a Assembleia Municipal Jovem de Tomar , no Salão Nobre dos Paços do Concelho, com a participação de duas bancadas; uma do 2.º Ciclo (composta pelos alunos do 6º ano, Ana Gomes, Ariana Moura,  Constança Castro, Diogo Salvador, Laura Cabreiro, Manuel Santos, Maria Gomes, Maria Guerreiro, Mariana Antunes, Rodrigo Lafont, Tiago Cotrim e Vasco Nunes) e uma outra do ensino secundário (composta pelos alunos do 10º ano, Carolina Lopes, Eva Furtado, Francisco Baptista, Francisco Fernandes, Guilherme Duarte, João Farias, João Marques, Leonor Ribeiro, Maria Leonor Antunes e Rosa Lopes,). Os alunos aceitaram o desafio lançado pela Câmara Municipal, sob o lema “ A Democracia na Era Digital” e apresentaram várias medidas que visam, por exemplo,  uma maior participação dos jovens na vida política e a promoção da literacia digital na população do concelho, em particular a população mais envelhecida.



A participação dos alunos foi excelente, pautada pela sã partilha e confronto democrático de ideias e de projetos. Em suma, estas interações frutuosas criaram em todos o encorajamento necessário para continuarem a intervir na vida da comunidade, seja a nível local ou de âmbito nacional.



Os alunos contaram, desde a primeira hora, com o apoio da direção e a orientação e o estímulo preciosos dos professores Elisa Pirraco, Isabel Conceição, José Sobral, Lourdes Durana, Paulo Mendes e Sofia Farinha.



Entrevista Luísa Feijó

“Abril cumpriu a sua missão.” Afirma, sem hesitar, Luísa Feijó.

Luísa Feijó


Luísa Feijó, mulher de abril, viveu por dentro a crise estudantil de 1969 em Coimbra. Não escondendo alguma desilusão por tudo o que se seguiu à revolução, não esquece o passado e deixa claro que virar as costas ao futuro nunca será solução: “Nunca voltar atrás. É demasiado pesado”.

Sentam-se duas gerações à volta de uma mesa numa biblioteca. Por entre estantes de livros, por entre histórias e estórias, conta-se a história da liberdade.


Viveu grande parte da sua vida sob o Estado Novo. Enquanto criança, enquanto jovem, como é que era a sua vida nessa altura?

Eu vivi numa família que muito cedo se apercebeu que o Estado Novo reprimia muito. Ou se era a favor das políticas do Governo ou, imediatamente, havia castigos. Desde muito cedo, vivi isso. Tive um tio e ele era uma pessoa que “não se calava muito”. Nós tínhamos ordem em casa que não se podia falar abertamente com quem não se conhecia. Mas esse meu tio falava muito e, uma noite, vieram-no buscar a casa. A família esteve sem saber dele cinco anos. Eu era pequena, tinha cinco anos, mas sentia a angústia da minha avó, da minha tia, das minhas primas que não percebiam porque é que o pai não vinha. Sabia-se que devia ter sido a PIDE que o levou. Ao fim de cinco anos, comunicaram com a minha avó dizendo-lhe que ele estava internado porque tinha tido um problema psiquiátrico. A minha avó conseguiu vê-lo, mas ele vinha com umas conversas sem nexo. Por exemplo, ele dizia que a sua esposa lhe tinha estragado a vida e dizia até que uma das suas filhas, a Manuela, que não era dele. A minha avó ficou alarmada com tudo aquilo e pensou: “isto foi o que lhe meteram na cabeça”. Na altura a minha avó disse que só se viam os braços e que se viam várias cicatrizes. Ele nunca mais quis ver nem a filha nem a mulher, nunca mais até morrer. Mas a minha avó, sempre que não se falava sobre a mulher ou a filha, viu que ele até estava bem. Por isso, pediu alta e levou-o para Coimbra. Ao fim de cinco dias ele deitou fogo à casa e ele acabou por ir para a ala psiquiátrica do Hospital Universitário de Coimbra. Ele estava, realmente, com uma doença psiquiátrica que foi provocada pelo que lhe fizeram, pelo que lhe disseram…


De certa forma fizeram-lhe uma lavagem cerebral…

Uma lavagem cerebral durante esses cinco anos. Ele não tinha recordações desses cinco anos. Entretanto, com o curso que eu tirei, que foi análises clínicas, eu fui trabalhar para o Hospital da Universidade de Coimbra e claro que tive contacto com a psiquiatria e aí descobri algumas coisas. Havia alturas que ele não podia ser visto porque ele era muito agressivo e tinha que ser colocado naqueles coletes de forças e cheguei a ir vê-lo nessas fases. Uma pessoa que foi educada, criada, num ambiente destes fica sempre marcada. O estado novo foi, para mim, uma coisa em que tínhamos muito receio de falar. Eu venho de uma família também com estas características, isso ajudou-me a ter essa perceção.


Durante o Estado Novo, para além de não ser livre e de ser jovem era ainda mulher. Isso numa sociedade patriarcal como a daquela altura, restringia ainda mais as suas liberdades. Como é que se sentia com isso?

Eu só me apercebi mais disso já mais tarde. No serviço onde eu trabalhava, faziam todos o mesmo trabalho e os homens ganhavam mais que as mulheres, nunca percebi porquê. Outra coisa que me fazia muita confusão era a questão das eleições, porque as eleições eram feitas e era a secretaria do Hospital em que trabalhava que mandava o nosso voto, nós não tínhamos direito ao voto. Nas eleições do Humberto delgado, houve uma grande movimentação, mas a PIDE era uma coisa impressionante e estava infiltrada em todo o lado.


Estudou Analises Clínicas em Coimbra e esteve naquele que foi o mais emblemático movimento estudantil em Portugal, a crise académica de 69. O que é que se sentia em Coimbra nessa altura? Já tinha consciência política nessa altura?

Os estudantes estavam bastante politizados.


E você?

Eu também. Talvez por ter sofrido bastante. Houve outra coisa que me fez também muito interessada. A minha avó era professora e quando ele casou já tinha dois filhos, não podia casar. Aliás os professores tinham uma série de regras para poderem casar. Quem é criado num ambiente destes, acaba por ir à procura. Mesmo alguns discos de música, estavam proibidos. Eu conseguia comprar esses discos numa loja de vidros em Coimbra que tinham um sótão e era lá que se comprava assim na clandestinidade.





Havia um grande sentimento de união por parte dos estudantes na crise académica de 69.




Nesse período de 1969, estávamos já numa decadência do regime. Salazar estava já velho, Marcello Caetano subiria ao poder uns anos depois e, depois de em 1962 ter explodido uma crise estudantil em Lisboa, em 1969, em Coimbra, existe a maior crise estudantil em Portugal. O que é que gerou essa crise?

Foi no dia 17 de abril. Eu lembro-me perfeitamente disto porque eu estava lá. O Américo Tomaz ia lá inaugurar a faculdade de Matemática e a academia resolveu em plenário feito na associação académica, que o presidente da associação académica iria falar nessa inauguração. Na associação académica ninguém podia entrar, por tanto, a PIDE não entrava, a não ser que estivessem infiltrados la dentro. Estava a academia toda a porta da faculdade de farmácia, deixaram um espaço para passar com as devidas cerimónias e isso tudo. Mas, não deixaram o presidente da associação académica falar e ele levantasse e pede para falar e o Américo Tomaz vai se embora. Aquilo criou uma revolta terrível.

Entretanto a PIDE cerca o presidente da associação académica e ele esteve 24h preso, libertaram-no no dia seguinte ao meio dia. Mas aquilo foi o rastilho. Começamos depois a juntarmo-nos na associação académica, havia lá noitadas em que ia o Zeca Afonso o Ary do Santos e outros. Queríamos uma nova forma de ensino, queríamos mais liberdade, queria se que nos deixassem terminar os cursos e só depois então irem para o ultramar, apesar de acreditarmos que a guerra era injusta. Aí começou a GNR a intervir, bloqueia a associação académica, com cargas sobre estudantes e sobre civis. Resolvemos a partir daí, sempre que saíamos da associação académica, vínhamos com cartazes, mas não falávamos, calávamo-nos. Eles (polícia) diziam que estavam proibidos os ajuntamentos a mais que um. Enquanto não fecharam a associação académica viveram-se momentos muito bonitos. Nós sonhávamos muito alto. Hoje, eu vejo que pensávamos que íamos mudar mundo, eramos um bocadinho líricos.

Os estudantes queriam uma universidade e um país mais livre e democrático.



Falou da guerra colonial e da forma como os jovens sentiam que ela era injusta. Como é se via essa guerra da sua parte.

Eu sempre achei aquilo uma injustiça, mas eu fui criada num ambiente que não era igual ao de toda a gente. Eu estive um ano na Guiné porque o meu marido estava lá a fazer a tropa.


Da parte do seu marido, também sentia essa guerra como injusta?

O meu marido só começou a sentir como injusta lá. A família do meu marido não era como a minha, por tanto não se apercebia tanto das situações, nem queria muito saber. Ele mudou, teve que mudar. Depois apercebeu-se que a guerra era injusta. Até porque ele teve com o Spínola lá e o Spínola já andava a ter conversações amigáveis com os chamados terroristas, coitados. Ele andava a fazer, mas eu penso que cá que não se sabia. Eles chamavam lhe jogar às escondidas. Eles combinavam com eles, determinados sítios onde se juntavam. Eu conhecia gente que dizia que ia para o jogo das escondidas e já se sabiam que estavam nas negociações, isto na guiné. Obviamente, essas conversações não deram em nada e, entretanto, veio o 25 de abril. O Spínola tinha uma ideia completamente diferente da situação. Claro que não o deixavam fazer muito, mas fez alguma coisa. Penso que o governo não tinha informações sobre isso.


Depois veio o 25 de abril, o fim da guerra colonial e a revolução. Onde é que estava quando se despoletou o 25 de abril. Quem era a Luísa Feijó no 25 de abril?

Já estava a trabalhar. Não sabia de nada, já tinha uma filha com dois anos e fui leva la à ama. E a ama tinha lá duas meninas que eram filhas de um GNR e esses GNR disse à mulher que fosse para casa e que não levasse as meninas para a ama. Deviam ser para aí oito e meia da manhã. Eu fui trabalhar com esperança que fosse desta que as coisas se resolvessem, mas muita esperança mesmo. O ambiente no laboratório foi eufórico no dia seguinte. Queriam ir logo para a rua. Eu fiquei a trabalhar. A partir de determinada hora, quando foi a emissão nacional, a partir daí pronto, veio tudo para a rua. O primeiro 1º de maio foi uma maravilha mesmo, foi qualquer coisa de excecional. Aí houve união em todo o país. Depois vieram os partidos, começaram a separar-se e depois foi o que foi.

Quando se fala dessa altura fala-se muito do medo. Também sentia esse medo ou era mais euforia?

Foi de euforia. Juntámo-nos todos ao pé da estação, saiu tudo à rua e foi a euforia e depois também houve a parte mais trágica, depois também se fazem disparates, também não concordei. Foram para a frente da PIDE, começaram a estragar os carros todos da pide. Isto tudo tem o reverso da medalha e essa parte não gostei. Depois de ver que o 25 de abril tinha ido para frente a, PIDE juntou se toda na sede e os carros todos lá fora. Viraram os carros, furaram os pneus. Com violência, não se chega a nada. Eles seriam castigados. Naquela altura eu revoltei me contra isso. Agora deixem a justiça tratar deles. O primeiro de maio foi um dia fantástico.


Depois vem o PREC, vem o 25 de novembro, vem a despoletar de um Portugal democrático. Como é que Portugal sentiu essa transição?

O primeiro tempo foi bom, muito bom. Mas depois, antigamente só havia o MDP e a União Nacional. O PCP já existia, na clandestinidade, já existia. Apareceram muitos partidos políticos cada um com as suas ideias. E aí deixou de haver aquela união que se sentiu no inicio. Mas depois formou-se a assembleia, o Spínola foi para presidente até haver eleições. Foram as eleições mais movimentadas de sempre. Eram filas e filas para se poder votar. Depois começaram as guerras entre partidos e eu costumo dizer que futebol e política entre família e amigos não deve existir, de maneira que as coisas começaram a descambar, começaram a haver certas rivalidades.


Talvez a campanha das presidenciais de 86 tenha acentuado muito essa divisão. Acha que a questão direita esquerda estava muito presente na sociedade nessa altura?

Estava e também notei essa crispação na altura da formação dos sindicatos. Quando apareceu a intersindical e a UGT, aí também houve uma grande desilusão. Tivemos grandes benefícios. Muito, muito grandes. Bem feito ou mal feio entregou-se, aquilo que não era nosso foi entregue, se foi a melhor forma, não ei. Hoje dizemos que não foi, entregou se as colónias a eles próprios, embora eles estariam preparados para ficar assim? Se calhar a ideia do Spínola tinha sido boa, se calhar preparando-os, as coisas tinham sido melhores. Mas foi tudo acontecendo pela pressão, pela euforia. O PCP estava muito bem organizado e os outros não. Eu acho que não foi a melhor forma. São países diferentes de nós, e porque é que nós os havemos de querer por a mentalidade igual à nossa? Por isso é que países tão ricos e continuam no terceiro mundo. Eu acho que a globalização foi muito boa, mas acho que determinados povos tem uma maneira de pensar diferente e devia ajustar a vida deles à maneira de ser deles.


Fala-se muito dos valores de abril. Acha que, de certa forma, olhando para o passado, tendo estado nesse processo todo. Acha que se falta cumprir abril?

Abril cumpriu a sua missão. Agora houve ali uns desvios.


Qual é que era a missão de abril?

A missão era a liberdade, completa. Nós somos livres. Mas ainda há muita coisa que está para fazer. Por acaso o governo agora tem lá mais mulheres, foi bom. E como isso há outras coisas. Eu acho que se fez muito, mas que havia ainda muita coisa para fazer e cabe-vos a vocês agora, para continuarem. A igualdade de género, por exemplo, isso foi tudo uma conquista. Seja na educação dos filhos, o trabalho de casa, tudo. Outra coisa é a conversa! Eu acho que a conversa que é muito importante e isso está a desaparecer. Acho horrível a dependência dos telemóveis, ninguém conversa. E isso acho que era uma das coisas que o 25 de abril não queria, até porque uma das coisas da crise de 69 era precisamente a conversa, o falar se, o comunicar. Podemos não estar de acordo com determinadas situações, mas falamos sobre isso. Isto tudo era o que se pretendia que viesse a acontecer do 25 de abril para a frente e nem sempre acontece. Mas isso deve-se as pessoas.


E é esse o conselho que dá aos chamados “Netos de abril”, ou seja, nós: o falar, o pensar, o conversar?

Pensar, conversar, ir à procura. Não ouvir e acreditar, saber se é verdade ou não, porque há muita contrainformação. E isso é um perigo, isso torna-se um perigo. Irmos sempre ver a realidade e transmiti-la. As pessoas devem procurar estarem informadas. Salazar o que é que queria? Era Fátima, futebol e Fátima. Quatro pessoas em cada três eram analfabetas. Isso interessava lhe. A instrução e a educação são importantíssimas. Tirar o melhor partido da educação que têm disponível. E, claro, nunca, mas nunca nos devemos agarrar ao facilitismo.


Fala em facilitismo e, nos momentos que correm, em termos políticos há muitos movimentos que na sua mensagem recorrem a isso mesmo, os chamados movimentos populistas. Acha que esses movimentos populistas põem em causa abril?


Eu acho que esses partidos que se estão por aí a formar, sabem falar e dizem o que o povo quer. No fundo, Salazar foi eleito, Hitler foi eleito pelo povo, é a mesma coisa. Eu agora estou a pensar no Chega, é o que eu estou a pensar. Deus me livre voltar atrás. Há coisas que se têm que modificar, porque o tempo passou, as mentalidades mudaram e as coisas têm que ser um bocadinho mudadas. Passámos para a globalização. Mas não voltarmos atrás, isso não. Isso perdíamos tudo. Espero que isso não venha a acontecer, mas tenho medo, tenho muito medo. Porque essas pessoas sabem falar para o povo. E o povo, cansado de vencimentos baixos, falta de progressões na carreira, coisas que não avançaram, avançaram no princípio e depois pararam, e outras tantas coisas, fazem-nos ouvir e pensar que eles têm razão, mas não têm. Mas eles só falam para encantar. Mas tenho medo, tenho muito medo.


É esse mais um conselho que deixa aos “Netos de Abril”? O de nunca mais pensar voltar atrás?

Nunca voltar atrás. É demasiado pesado, é demasiado pesado. Abril tem que se manter, manter e melhorar. E isso também nos compete a nós. Vamos lá ver, quando nós olhamos para o passado, às coisas não tinham nada a ver com o que é agora. As escolas não eram mistas, eram rapazes para um lado raparigas para o outro. As raparigas não podiam usar decotes, por exemplo. Cantar, só se podiam cantar coisas do Estado Novo. Para entrarmos para o autocarro, estava a empregada da escola à entrada para ver se nós realmente entrávamos. Era muito rigoroso. Era o que tínhamos.


Passado este tempo todo, passada toda uma vida cheia de memórias e acontecimentos marcantes. Hoje em dia, em 2022, sente que é uma mulher verdadeiramente livre?

Sou. Eu sou livre. Tenho a certeza absoluta.


*Este testemunho foi recolhido pela Associação de Estudantes da ESSMO (a entrevista foi conduzida por André Peixoto Pereira) com o apoio da professora Maria do Céu Baião

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Libertação

Nascida no final da 2ª guerra mundial e em plena época Salazarista desconhecia, bem como a maior parte do povo português, o que era a política, não sabendo distinguir entre ditadura e democracia.

Enquanto criança, desde cedo, e a partir da escola primária a nossa mente era preenchida, apenas, e só, com as obras com que o “Sr. Dr. António de Oliveira Salazar” engrandecia o país. Logo na 1ª classe, e no começo da aprendizagem da leitura, os textos terminavam “Viva Salazar!” Era-nos apresentado como um Deus salvador da Pátria. A sua obra era exaltada: abertura de estrada, construção de pontes, administração de ensino e um sem inúmeros de outros benefícios.

Vivíamos em ditadura. Todos os que se opunham ao regime eram presos, torturados, deportados e até mortos. Para isso, contribuía uma Polícia política denominada P.I.D.E. Era a polícia da defesa do Estado. 

Portugal ia do Minho a Timor, englobando todas as colónias que passaram a denominar-se, posteriormente por províncias ultramarinas: Guiné, Cabo Verde, Angola, Moçambique, India, Macau e Timor. De todos, sabíamos tudo. Era o nosso império! Mas o sentido de independência dos povos africanos fez rebentar a guerra do ultramar.

A resposta de Salazar foi: “- Para Angola já e em força!

Na rádio e televisão ecoavam os sons duma canção “Angola é nossa; Angola é nossa! Angola é Portugal!...” Todos os jovens militares foram mobilizados e obrigados a partirem para defesa desse ultramar desconhecido. Vi partir o meu marido, namorado de então, para a Guiné onde permaneceu 2 anos.

A morte de muitos deixou órfãos, viúvas e mães doridas.

No coração de muitos capitães começou a germinar a semente da revolta, da liberdade e da justiça e na noite de 24 para 25 de Abril de 1974 dá-se a revolução! A revolução dos cravos. Abrem-se as portas das prisões para os presos políticos, o povo sai à rua, rejubilante, canta-se a liberdade e as armas dos soldados são enfeitadas com cravos vermelhos.

Comemoram-se 50 anos de liberdade e democracia.

Viva o 25 de Abril!

Túlia Sá Correia