quinta-feira, 28 de abril de 2022

Entrevista a Natália Cardoso

Quem é que era a professora Natália no 25 de abril? Que idade tinha? Onde é que estava? Enfim, quem era a professora Natália no 25 de abril?

Eu era uma teenager. Estava na Guiné. Tinha casado há cerca de 2 anos com um militar de carreira, da Academia, que tinha sido destacado para ir para a Guiné. Estava na Guiné Bissau, na capital Bissau.

Natália Cardoso
(foto perfil Facebook)

No momento, no próprio dia, soube da existência do 25 de abril?

Eu vivia sozinha, numa casa muito velha. Ia a pé, para as minhas aulas, com os meus livrinhos, para a escola Comercial e Industrial de Bissau, no dia 25 de abril.  No caminho, encontrei um militar meu amigo que me disse que tinha havido uma revolução em Lisboa, mas eu quis ir para a escola na mesma. Entrei e uma grande confusão....  e vários militares guineenses armados. Naquele momento, tive muito medo. Quem me salvou foram as minhas alunas que lá explicaram aos militares que eu era “a professora amiga” e acabaram por me levar para casa, onde fiquei. Dois dias a seguir, o meu marido veio “do mato”.

Em que ano é que a professora foi para a Guiné?

Setembro de 1972

Estando primeiro e depois estando , como é que se sentia a guerra? Sentia que era uma guerra injusta?

Eu sou duma geração que sabíamos da dureza da guerra no Ultramar, e dos soldados que lá morriam. Eu era uma miúda e depois fui para as Belas Artes. As Belas Artes era um local de ensino diferente dos outros, a todos os níveis.  Era ali que se encontravam com frequência os cantores de intervenção assim como atores, poetas...

Antes disso quando estava em Portugal sentia-se, ainda não tinha consciência, mas sentia alguma repressão por parte do Estado Novo?

Não. Eu só me comecei a perceber de algumas coisas quando fui para as Belas Artes, porque, como já referi era um espaço onde se encontravam pessoas com ideias diferentes.

Depois, quando é que voltou para Portugal?

Vim sozinha para Portugal em maio. Mas voltei depois a Bissau na altura da independência porque o meu marido ainda lá estava.

Acha que a transição na questão da independência das colónias devia ter sido feita de outra forma?

Eu não tinha conhecimentos nem opinião sobre esse tema.  Mas quero referir, quando se fala sobre o tema do colonialismo, que nós, e quando digo "nós", refiro-me aos professores, éramos amigos dos alunos e da população.

Depois regressa a Portugal. O que é que sentia em Portugal uma regressada que não via Portugal há anos. Não se notou a explosão de liberdade?

Como eu vim para Tomar passado um mês do 25 de Abril, as emoções já tinham acalmado.

Voltando à guerra. Você era mulher de uma pessoa que não via durante semanas. Ele ia para o mato. Como é que uma esposa se sente, para além de incerteza e de medo, quando o seu homem está desaparecido?

 O que valia era a companhia que tinha dos meus alunos, passava o dia inteiro na escola.


Ganhou, nos períodos a seguir ao 25 de abril, alguma consciência política?

Não…. Algumas revoltas interiores sim.... 

A política, dessa forma, afetou-a diretamente?

Sim, sim, sim…. Muito...

Depois deste tempo todo e de todas as suas revoltas, como é que olha para a revolução na sua totalidade ao longo do tempo?

Depois do 25 de abril, passei por muitas desilusões. Mas, atenção, “25 de Abril Sempre”, porque se não tivesse existido, os nossos soldados continuavam a morrer no Ultramar.

Acha que, nesse sentido, se cumpriu abril?

Sim.  Mas ainda há muito por fazer...

Passado isso tudo. Ter estado na guerra, ter vivido todos esses momentos. Ter sofrido. Sente-se hoje uma mulher livre?

Sim. Sim.  Eu sempre fui uma mulher livre a todos os níveis. Livre e com o direito de dizer o que penso, isso é o mais importante.

 

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