domingo, 24 de abril de 2022

Netos de Abril


Uma, duas, três, quatro, quase cinco décadas. Liberdade.

Não vivi o 25 de abril, sou muito novo para isso. Tenho dezassete anos. Mesmo se tivesse nascido trinta anos antes, nunca teria vivido a Revolução. Este facto teria, à partida, o efeito de me excluir de qualquer discussão sobre o tema. Mas não. 

Sinto-me orgulhoso de nunca ter vivido um único dia sem liberdade. Sinto-me privilegiado por isso. Privilegiado por ser de um país, hoje, verdadeiramente livre. Mas este orgulho, este privilégio, tudo isto dá-me uma enorme responsabilidade. Vivo num país que viveu o mais longo regime autoritário na Europa. Vivo num pequeno país que, armando-se com cravos, conseguiu fazer uma revolução e, a partir daí, conseguiu fazer florir uma democracia, um país livre. É este pequeno país que eu tenho responsabilidade de não fazer esquecer. 

No mundo em que vivemos, considero que lembrar o passado é a melhor forma de estar presente no combate a ideias autoritárias e é isso que me comprometo a fazer. Enquanto jovem, enquanto português, mas especialmente enquanto pessoa livre, estarei sempre nesse combate. Como disse, nunca vivi um único dia sem liberdade, espero que nunca venha a viver. Mas, para isso, não basta querer. Até porque, o primeiro passo para perder a liberdade é tê-la como garantida. Não a tenho como garantida, não posso, não podemos. 

Por tudo isto, apelo apenas à memória, apelo à memória e à palavra. À memória para que nunca nos esqueçamos, por um momento que seja, de que somos livres e do porquê de o sermos. Só assim evitaremos deixar de o ser. Mas, mais do que à memória, apelo à palavra. Que continuemos a falar, a discutir, a pensar. Que cada pessoa, de qualquer idade, seja do interior ou do litoral, de qualquer classe social, continue a falar, a discutir, a criticar o que acha que está mal, a aplaudir o que acha que está bem, mas, acima de tudo, a falar sem medo. Acima de tudo, que continuemos a ser livres e a usarmos essa liberdade para o que bem quisermos, porque só assim, vivendo a liberdade ao máximo, só assim estaremos verdadeiramente a “cumprir abril”. Usar a liberdade na sua plenitude é também uma forma de proteger essa mesma liberdade. 

A verdade é que não vi a Revolução com os meus próprios olhos, mas hoje vejo-a. Vejo-a em todo o lado. Vejo-a em todas as coisas que digo, que faço, que posso dizer e que posso fazer. Não me adianta agradecer a quem fez a revolução, não adianta agradecer à geração de abril. Adianta sim proteger a liberdade que eles me deixaram. Preservar o legado do 25 de abril é o melhor legado que posso deixar. E espero deixar esse legado, porque só assim serei para sempre um homem livre, serei para sempre um Neto de Abril.


André Peixoto Pereira


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