quinta-feira, 28 de abril de 2022

Abril, hoje e sempre!

Fui agradavelmente desafiada pelo André Pereira para participar no Projeto "Os Netos de Abril", com a finalidade de dar o meu (modesto) contributo concretizando a ideia e a“vivência” que tenho do 25 de Abril de 1974.

Sílvia Serraventoso
(foto perfil Facebook)

Eu pertenço à chamada “Geração de Abril”. Ou seja, os "filhos de Abril". Os filhos de pais que viveram o 25 de Abril, a Revolução dos Cravos. O antes e tudo o que se lhe seguiu depois.

Nasci em 1978. Quatro anos depois, ainda era tudo muito recente.

Muito cedo tive conhecimento e consciência da importância dessa data. Os meus pais, mas especialmente, o meu pai, sempre fez disso questão.

O meu pai, na altura estava a terminar a licenciatura em Educação Física em Lisboa, no ISEF ( Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa) que interrompeu para ir prestar serviço militar que era, na altura, obrigatório. Mais ainda: com a guerra colonial em curso, tinha formação em artes marciais e por isso estava referenciado pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).

Teve sempre muita ligação às artes: música, pintura, teatro. E nessa altura tudo o que era proibido (censurado) era ainda mais apetecível.

Desde sempre me lembro de ouvir, na noite da véspera da data e durante o dia, a chamada "música de intervenção" a tocar em casa.

O meu pai chamava-nos (a mim e ao meu irmão, mais novo), para ouvirmos as músicas mas essencialmente para lermos as letras. Costumava dizer: “Para conhecer o 25 de Abril, o antes e o depois, é importante ouvir e perceber as letras das canções.”

Ouvia-se e lia-se: Fausto, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Francisco Fanhais, Pedro Barroso, Manuel Freire e claro José (Zeca) Afonso. Músicos que escreveram as suas músicas no exílio para não serem presos e/ou mortos pelo regime, como foi o Padre Francisco Fanhais.

A música de Zeca Afonso ‘O Pintor morreu’, foi escrita para homenagear e denunciar o assassinato do artista plástico José Dias Coelho pela PIDE numa rua de Lisboa.

Era assim que se vivia no Estado Novo. 

O meu pai tinha (e tem), uma coleção invejável de história de a respeito do 25 de Abril: música, livros, revistas, jornais, cartazes…

A mensagem que me passou:

Essencialmente que a LIBERDADE de um ser humano é o bem mais precioso que se tem.

Liberdade em todas as suas dimensões: pensamento, criatividade, sonhar, projetar, criar, opinar. Só se pode VIVER, VIVER PLENAMENTE em LIBERDADE.

O respeito pelo próximo. A não exploração do homem pelo homem.

A importância, o significado dos chavões de Abril: “A Paz. O Pão. Habitação. Saúde. Educação”, para que possa haver LIBERDADE a sério, como diz a música de Sérgio Godinho ‘Liberdade’.

A importância de um Estado Democrático, que defenda e fomente DIREITOS, LIBERDADES e GARANTIAS.

Aprendi que o 25 de Abril de 1974 foi fundamental para alterar a função/papel da mulher na sociedade e na família.

A Constituição de 1976 foi/é sem dúvida um marco na história da nossa Democracia ainda jovem.


E foi graças à Revolução de Abril que se instituiu o sufrágio universal em Portugal – o direito a votar e à criação de partidos políticos. 

Foi fundamental ler ‘As Novas Cartas Portuguesas’, das “três Marias”, como ficaram conhecidas (nacional e internacionalmente): Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa. A publicação desta obra, nos anos 70, assumiu um papel central na queda do regime ditatorial dirigido por Marcelo Caetano. Este livro revelou a existência de situações discriminatórias graves que aconteciam em Portugal relacionadas com a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico e a condição da mulher social e economicamente (casamento, maternidade, sexualidade feminina.

Este livro essencial, quase de leitura obrigatória, pelo seu interesse histórico, denunciou também as injustiças da guerra colonial e as realidades dos portugueses enquanto colonialistas em África, emigrantes, refugiados ou exilados no mundo e, “retornados” em Portugal.

E como dizia a letra da música de Francisco Fanhais - Cantilena: 

«Cortaram as asas ao rouxinol. Rouxinol sem assas não pode voar.
Quebram-te o bico rouxinol. Rouxinol sem bico não pode cantar.»

A música não é uma música “naive” sobre um pássaro mas, um eufemismo que esconde a dura e triste realidade de um povo oprimido sob um regime ditatorial e repressor.

Esta e outras figuras de estilo eram muito usadas para que música, textos pudessem passar despercebidos à censura da PIDE (ao lápis azul).

Mas “o mundo pula e avança” e com esses avanços outras exigências outros “ritmos” de vida, outras exigências. 

Mas sem dúvida não poderemos saber para onde vamos sem saber de onde viemos.

E acima de tudo, não podemos avançar plenos, sem aprender com os erros do Passado.

VIVA o 25 de Abril!



Sílvia Serraventoso
Advogada
Presidente da Delegação da Ordem dos Advogados de Tomar


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