sexta-feira, 29 de abril de 2022

Entrevista a Mário Nogueira

O convidado dispensa apresentações, mas apresenta-se como um homem livre, tem a certeza disso. No 25 de abril de 1974, era aluno do Liceu (Tomar) e, quarenta e oito anos depois, regressa à sua escola para dar um testemunho à associação de estudantes de que, em tempos, fez parte. Hoje, sente-se bem porque sente que sempre fez aquilo que gostava de fazer e que, em liberdade, decidiu fazer.

No 25 de abril de 74 ainda era um jovem, tinha 16 anos, quem é que era o Mário Nogueira nessa altura? O que fazia? Já tinha alguma consciência política?

Era aluno deste Liceu. Tinha alguma consciência daquilo que era a ditadura. O meu pai era até um dos principais responsáveis pela oposição democrática em Tomar. Na minha rua, um vizinho meu, era militante do PCP e, de vez em quando, era preso. Tinha, assim, alguma consciência da situação. Até porque pertencia à associação de estudantes…

Já existia uma associação de estudantes?

Tínhamos uma associação de estudantes interna, sim. Tínhamos também a sorte de ter um reitor que era um homem aberto e democrático. Deixava-nos organizar, por exemplo, a feira do livro. Nós já tínhamos consciência que a situação não era normal, que não se podia falar. Tínhamos de tal forma noção das limitações que, no dia de 25 de abril, uma colega da minha turma, saiu da escola e começou a gritar “Viva a liberdade” e o pessoal foi mandá-la calar e a fugir. Tinha-se medo.

Essa manhã, depois de sair de casa, vai para a escola. Quando chega à escola, o que é que viu?

Nós já tínhamos, em casa, percebido que se passava alguma coisa porque, de manhã, já haviam comunicados do Movimento das Forças Armadas (MFA) e até as músicas que passavam eram diferentes do habitual. Acabamos por não ter aulas.

Vai para a escola, acaba por não ter aulas. Como é que foram os dias seguintes?

Sobretudo depois, no 1º de maio. No dia 25, houve muitas saídas espontâneas. Depois, o 1º de maio juntou muita gente. No início, o próprio golpe tinha de tudo um pouco. Por um lado, havia quem queria mudar o regime. Por outro lado, quem contestava as pessoas que lá estavam, mas não o regime. Nos dias seguintes não houve aulas, não se falava de mais nada.

Sentiu-se nesses dias uma “explosão de liberdade”?

Sim, as pessoas começaram a fazer as suas revistas, criou-se aqui um centro cultural em Tomar…. Foi um boom de coisas a que não tínhamos acesso até aí. Na intervenção política, os exageros são normais para quem está a viver um período revolucionário, espacialmente para quem a está a viver naquela idade. Foi um tempo que marcou muito uma geração. 

Entre esses exageros está uma barricada. Uma barricada que você coordenou?

Não, não coordenei, mas fazia parte do núcleo duro. Era o meu ano. O ano da revolução foi um ano verdadeiramente atípico. Por isso, as regras no acesso ao ensino superior foram bastante facilitadas, digamos assim. No ano seguinte, o ministério volta às regras anteriores ao 25 de abril. Mas, em vez de fazer um despacho a explicar as razões, pegou num decreto do estado novo e republicou-o. A gente quando viu aquilo na vitrine do liceu… Bom… a primeira coisa que voou foi a vitrine. Era o despacho “fascista”. E começa aí a contestação. Fomos então fazer uma reunião geral de alunos no pavilhão do SCT e decidimos fazer greve. Havia pais que queriam obrigar os filhos a ir para as aulas e que foram ao pavilhão para obrigar os seus filhos a ir às aulas. Nós, para não deixarmos isso acontecer, colocamos umas carteiras no cimo da escadaria, ligámos umas mangueiras a umas torneiras e lá nos barricamos. Depois o Liceu fechou e não houve mais aulas até ao final do ano. Isto depois foi a nível nacional. 

Depois foi para Coimbra e é nomeado para o conselho pedagógico, que na altura tinha paridade entre alunos e professores, e começa aí eu seu período de intervenção…

Sim. Essa paridade é muito importante. Se nós queremos uma escola que forme para cidadania democrática, a própria escola tem que ser uma organização democrática e, na nossa opinião, não tem. Isto não tem a ver com a vossa escola, não tem a ver com as pessoas, mas nós temos que ter direções que representem a comunidade escolar. Esse é um dos problemas mais graves na educação, nos últimos anos: a falta de participação dos jovens nas decisões das escolas. No órgão pedagógico devem estar os pedagogos e aqueles que são diretamente envolvidos que são os alunos. A questão da paridade já é mais discutível. No ensino secundário, a participação parece-me fundamental. 

Depois de uma vida que foi e que é de intervenção. Depois de ter vivido o 25 de abril e de, de certa forma, ainda viver todos os dias nas lutas que trava na vida pública, acha que se falta cumprir abril?

Não acho. Não se pode dizer que falta cumprir abril. Se nós reduzirmos abril aos 3 d´s (descolonização, democratização e desenvolvimento) estava mais que cumprida. Quer dizer… o desenvolvimento “tem dias”. Por um lado, eu acho que seria inevitável Portugal estar nestes contextos porque estamos na Europa e, hoje em dia, no espaço europeu a relação entre países é inevitável. Também é verdade que o facto de se integrar esses espaços do ponto de vista político e institucional acabamos por ser limitados na soberania dos países. 

Passada toda uma vida completa de participação ativa. Sente-se hoje um homem livre?

Sim. Completamente. Não tenho problema nenhum em afirmá-lo. Sinto me livre de defender aquilo que entendo, de dizer aquilo que quero. Eu só não estou nas redes sociais porque acho que não são um espaço de liberdade. Mas sinto-me bem porque sinto sempre que fiz aquilo que sempre gostava de fazer e que em liberdade decidi fazer.


*Esta entrevista foi conduzida por
André Peixoto Pereira e por
Maria Inês Graça
(Associação de Estudantes da ESSMO)


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