"Drive" - Riopy
Pode até parecer estranho, quase esquisito. Para alguns será mesmo incompreensível. Mas a verdade é que os professores têm coisas destas: adotam os filhos dos outros e tomam-nos como seus. E alguns daqueles (na verdade, “muitos” daqueles) eram também “meus” e por isso eu não podia deixar de ir.
Estou a ficar velho, barrigudo, desinteressante e já não me apetece sair ao sábado à noite, para ir ouvir música e “abanar o capacete”. Já tive o meu tempo, e – ensinou-me a vida! – cada coisa tem o seu momento e a sua ocasião.
Mas aquela era a noite deles, a noite para a qual eles tinham poupado semanadas, em nome da qual tinham seguido dietas de última hora, com a qual tinham sonhado horas infindas, na qual projetavam danças comprometidas e para a qual tinham guardado confissões que haviam de ser segredadas ao ouvido, no momento certo, no intervalo de duas músicas, e à luz baça das luminárias que haviam de servir de céu estrelado à noite escura da escola.
Os "meus meninos" do 12º B |
Não me apetecia ir.
Mas aquela era a noite deles! E eu sabia que haveria penteados cuidadosamente mantidos desde a manhã, unhas meticulosamente feitas, pintadas e incrustadas de brilhantes; sapatos maravilhosamente altos e apertados que as fariam crescer 8 cm de um momento para o outro. Eu sabia que eles e elas tinham folheado páginas, visitados sites, comparado fotografias, entrado em lojas, percorrido montras, cansado os olhos em modelos de vestidos, em cores de fatos, em cortes de casacos, em tipos de malas. Eu sabia que os pais deles e delas tinham cortado o cabelo, aparado a barba, recuperado fatos e vestidos usados no último casamento da família, tinham aspirado o carro, feito um bolo, e alguém tinha comprado uma prenda para “seu menino” ou para “sua menina” usar nessa noite: talvez uns brincos, ou um relógio, um colar, um aftershave, ou uma nota de 50 euros.
Os "meus meninos" do 12º C |
Não me apetecia.
Mas aquela era a noite deles! Eu sabia que alguns daqueles “meus meninos” tinham vivido em advento para aquela noite. Tinham idealizado a entrada pela passadeira vermelha, de braço dado com o seu par, sob os olhares babados e encantados de quem os ia ver passar. E sentir-se-iam lindos! Lindos como sempre foram! Lindos como sempre foram e como poucas vezes se sentiram.
Os "meus meninos" do 12º D |
Não apetecia.
Mas aquela era a noite que fora feita para deixar ver os sorrisos que lhes vinham da alma, para ver os olhos que lhes brilhavam de felicidade e para os ver caminhar como quem voa sobre um lago de esperança e de sonhos. Aquela era a noite em que começava o amanhã…
Os "meus meninos" do 12º E |
Tinha de ir!
Não me peçam para vos contar como foi.
Só quem foi poderá entender o que foi aquela noite. Não tentem perceber, imaginar, ou tão pouco sentir aquela noite. Nunca perceberão, nunca imaginarão e, certamente, nunca poderão sentir aquela noite.
Só vos posso dizer que os “meus meninos” estavam lindos – como sempre foram lindos! Mas estavam ainda mais lindos, porque havia um brilho na noite que se colava aos vestidos, que se pegava aos sapatos, que se entretecia nos cabelos, que se desprendia dos olhos e que lhes amparava o passos.
Estavam lindos, os “meus meninos”. Imagino que os outros também, porque estou certo que seriam os “meninos” de alguém. E teriam alguém a olhar para eles como eu olhava para os meus.
Saí da noite, muito antes dela acabar.
Deixei os meninos tomarem conta da noite que era deles.
Os "meus meninos" do 12º G |
Recolhi-me.
E na viagem para casa vim a pensar que alguns daqueles jovens adultos eram meus alunos desde o 7º ano. Conheci-os com 12-13 anos, quando saiam da sala de aula a correr para chegar primeiro ao campo e poderem “jogar à bola”; quando tinham canetas de todas as cores e enfeitavam os sumários com flores e ondulados coloridos; quando, às segundas-feiras, matavam as saudades da melhor amiga que já não viam há dois dias; quando escreviam bilhetes, nas aulas, em retalhos de papel quadriculado, passados às escondidas do professor, em que confessavam segredos inocentes e eternos; conheci-os quando trocavam cromos à porta da sala e comparavam pontuações do LOL. Conheci-os assim, “meninos”!
Passaram-se 6 anos e esses meninos são hoje jovens. Quase adultos… Quase prontos para partirem em direção ao horizonte.
Recolhi-me.
Recolhi-me.
"Ser adolescente não é fácil!" |
Recordei o discurso da Rita, no momento da noite: «Ser adolescente não é fácil! Ser adolescente é estar algures entre ser criança e ser adulto. Ser adolescente é os outros esperarem que sejamos já maduros e saibamos exprimir o que pensamos, mas não nos reconhecerem, ainda, a credibilidade para o fazer.»
E percebi que alguma coisa teremos feito bem! Alguma coisa, nós, pais, famílias, professores, devemos ter feito muito bem, para eles serem tão lindos, estarem tão bonitos e terem crescido tanto!
E percebi que este é o tempo de me recolher.
Agora são eles que partirão. O caminho é o deles…
Cheias de verde de esperança |
E veio-me à memória aquela outra frase da Rita Silva, dita em jeito de aconchego, como quem confidencia aos amigos íntimos: «Eu digo-vos: quem, hoje, aqui, sabe o que quer ser, irá alcançá-lo; irá sê-lo! Mas quem não sabe, vai reinventar-se, vai viver a vida e errar muito para aprender e perceber que “não estar fixo em nada” pode ser um privilégio.»
Lembro-me de um excerto de um poema de Miguel Torga:
«E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.»
Obrigada professor :)
ResponderEliminarMuito bom professor,um muito obrigado!
ResponderEliminarMuito bom. Fez-me verter uma lágrima. Lindo texto! <3
ResponderEliminarMuito bom o texto. Identifiquei-me com alguns sentimentos e algumas palavras. Nunca diria tão bem, obviamente. Alguns "meninos" também foram "meus meninos". Que a vida lhes sorria e, a nós, nos dê a oportunidade de os ir vendo e recordando!
ResponderEliminarLindissimo texto professor todos esses meninos que passaram pelo prof devem de estar com um orgulho enorme de ter o sr como prof ....quando lhe ia abrir a porta da sala para o sr entrar com os seus meninos achava o prof e desculpe as minhas palavras nao quero de alguma maneira que intrepete mal o meu comentario achava o prof uma pessoa mto seria dava me a sensaçao de ser um prof que nao sorria para nao dar mta confiança quando faziam barulho no corredor o sr vinha a porta com seu ar mto serio e ate eu ficava intimidade sempre falou com respeito sempre agora aqui ve se o resultado de um prof amigo e que na realidade era um prof e seg pai de todos estes meninos qq um com este texto nao ira ficar indiferentevlindo mesmo prof
ResponderEliminarLindo texto!! Muitos parabéns!!
ResponderEliminarE acredite, professor, também o Sr fez a diferença nos "seus meninos"! Pelo menos num, fez!! E eu sei, porque sou mãe dele. Obrigada, professor e bem haja!
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