Celebrar o 25 de Abril
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Cineteatro Paraíso
No hemisfério norte, abril tem um significado muito especial. É verdade que a Primavera começa no mês anterior, mas é neste que a Mãe-Natureza nos presenteia com os encantamentos que associamos a esta época do ano: a cor, o brilho, a pujança, a renovação, a metamorfose das paisagens por onde corremos, por onde se espraia o olhar e o pensamento.
Em Portugal, além desse maravilhamento estético e emocional, celebramos a Revolução que nos trouxe de volta a democracia e a liberdade, passados quase cinquenta anos de ditadura. Mais precisamente, longos quarenta e oito anos, de 1926 a 1974; primeiro, a ditadura militar e, a partir de 1932, a ditadura salazarista ou Estado Novo, até ao 25 de abril de 1974.
Os militares, em 1926, através de um golpe de Estado, puseram fim à democracia. E são eles que a trazem de volta, em abril de 1974.
Celebrar a democracia e a liberdade é um dever cívico de cada um e de cada uma, sempre. Nos tempos que correm, ainda mais, porque em muitos países, em várias regiões do mundo, os regimes democráticos estão sob ataque cerrado de movimentos neofascistas, xenófobos e racistas. E tudo o que se faça para valorizar a liberdade e a democracia é vital para a formação dos jovens cidadãos.
E foi nesse contexto da formação humanista e da cidadania, que o Projeto +Humanidades, do Agrupamento de Escolas Nuno de Santa Maria, planeou e deu corpo à atividade “Celebrar o 25 de Abril”, no Cineteatro Paraíso, a 26 de abril, para todas as turmas que frequentam o 6.º, 9.º e 12.º anos.
Mais de 400 alunos no cineteatro Paraíso |
A professora Angelina Oliveira, na qualidade de vice-coordenadora do Projeto +Humanidades, deu as boas-vindas ao vasto e vibrante público que encheu, por completo, o Cineteatro, e enunciou os objetivos que presidiram à celebração, como atrás se enunciou, realçando que é na junção e na partilha que se alcançam os melhores resultados, querendo com isso reforçar que, na realização da atividade, participaram vários projetos do Agrupamento, várias pessoas – a título individual ou integradas num coletivo - muitas vontades, perspetivas plurais e sensibilidades, que se ajustaram harmoniosamente a um propósito maior.
Prof.ª Angelina Oliveira |
Logo após, o Projeto “Um Gesto de Afirmação” apresentou uma admirável performance de dança contemporânea, pelas bailarinas Inês Morgado, Margarida Santos, Francisca Araújo e Erica Carreira. A coreografia, original, é obra das jovens executantes. Ao mesmo tempo, a Mariana Rei, do mesmo Projeto, e aluna do 12.º ano, turma B, de Humanidades, dizia um poema da sua autoria que, pelo seu significado, beleza, sensibilidade e vasto território poético, se transcreve.
A junção de música, movimento e palavras |
Encontrar a felicidade, num Portugal Livre
Tenho medo
Tenho medo de falar,
tenho medo de abrir a porta,
tenho medo de sair.
Não tenho onde ir,
fico em casa, onde pertenço
sou parte da mobília, já com pó.
Com as lágrimas desgasto o lenço,
fico sempre no mesmo lugar,
não posso rir, posso chorar
de mim ninguém tem dó.
O meu marido foi preso,
faz hoje 8 semanas e 4 dias
não tenho notícias dele
não sei o que lá lhe fazem,
quando comprou ao nosso mais novo
uma banda desenhada estrangeira
comprou um bilhete só de ida,
e de uma ou outra maneira
não tivemos direito a despedida.
A minha irmã queria ser enfermeira,
entretanto arranjou um rapazito
mas tal como já lhe tinham dito
era preciso ser solteira.
A minha outra irmã viu também o marido
passar uma noite na prisão
por lhe ter dado um beijo num jardim
quando este regressou da guerra.
Sempre com o coração na mão
pensou que dessa é que era o fim.
Que tempo é este, em que vivo?
Deus, estou a perder a fé
Pátria, não pertenço a este país
Família, foi me tirada.
Tudo o que não quero, nem nunca quis,
é o que vivi e estou a viver
queria saber ser feliz
oh, lá vão esses dias…
Estado Novo,
já não é novo, já dura tempo a mais.
Ditadura, quando é que cais?
Tantos lutaram, nas colónias e mesmo cá,
país dos cofres cheios e dos bolsos vazio
tantos sofreram, tantos morreram
tantos foram, e não regressaram
tantas bocas caladas à força
tantos olhos tapados
e ouvidos surdos
tanta falta de liberdade
tantos jornais mudos.
Só crescia a vontade
de uma mudança de regime.
Agradeço aos capitães
que nos libertaram deste jogo político
do qual éramos reféns.
Semearam cravos
colheram liberdade
enterraram a censura
e mudaram a sociedade.
A Mariana Rei, convidada para apresentar a atividade no Cineteatro, continuou, exemplarmente.
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«Estamos aqui para celebrar Abril, o 25 de abril, a revolução que nos trouxe de volta a democracia.
O capitão Salgueiro Maia, o rosto da Revolução que simboliza o triunfo da liberdade sobre a ditadura está muito ligado a Tomar, cidade onde viveu parte da sua adolescência.
E da noite mais escura, uma flor se ergueu, raiada de luz, prenhe de toda a esperança.
Tão longa a espera.
E da longa espessura da noite, quase 50 anos, a aurora radiosa para um mundo novo. Para um Portugal livre.
Santarém. Madrugada de 25 de abril de 1974.
Chegou a hora. Não é possível esperar mais.
No quartel, os camuflados são vestidos à pressa e o Capitão passa a mensagem de boca em boca “Camaradas, que ninguém esmoreça. A vitória é nossa, antes que anoiteça!”
Sobre o último casario da cidade e sobre a cabeça da coluna que se dirige para Lisboa, um bando de corvos grasnava com vigor. O jovem Capitão, de nome Salgueiro Maia, não se deixou impressionar com as aves de mau agoiro e comentou com o seu ajudante:
- Há um mês não deu certo. É agora!
O jovem capitão referia-se à última tentativa dos militares para derrubarem a ditadura do Estado Novo, que começara no quartel das Caldas da Rainha, em 16 de março de 1974. A tentativa fracassou e os oficiais foram presos.
Nós sabemos. Todos nós sabemos: não há nada de mais sagrado que a LIBERDADE».
Depois, apresentou os dois convidados: o major-general Adelino de Matos Coelho e o coronel Luís Paulo Correia Sodré de Albuquerque.
- Há um mês não deu certo. É agora!
O jovem capitão referia-se à última tentativa dos militares para derrubarem a ditadura do Estado Novo, que começara no quartel das Caldas da Rainha, em 16 de março de 1974. A tentativa fracassou e os oficiais foram presos.
Nós sabemos. Todos nós sabemos: não há nada de mais sagrado que a LIBERDADE».
major-general Adelino Coelho (ao centro) e o coronel Luís de Albuquerque (à direita) |
Depois, apresentou os dois convidados: o major-general Adelino de Matos Coelho e o coronel Luís Paulo Correia Sodré de Albuquerque.
O primeiro palestrante foi um dos corajosos oficiais do Golpe das Caldas da Rainha. Oficial-general com um vastíssimo currículo, era tenente no quartel das Caldas da Rainha, quando integrou a última tentativa para derrubar a ditadura. Como afirmou, o golpe não foi tão bem preparado quanto seria desejável e acabou por fracassar – como haviam fracassado mais de uma dezena de tentativas - tendo os oficiais sido presos e libertados só após o 25 de Abril. Enquadrou o seu testemunho entre o golpe das Caldas e o curto espaço de tempo que medeia até à Revolução, bem como da situação insolúvel da guerra colonial em Angola, Moçambique e na Guiné. Como referiu, a longa guerra colonial que começara em 1961 pela recusa do Estado Novo em conceder a independência às colónias africanas, acabou por criar um grande descontentamento entre os militares (pela guerra, em si, e também, pela ultrapassagem dos oficiais formados na Academia Militar por outros que não tinham tido essa formação, criando injustiças na ascensão da carreia) e na sociedade portuguesa. Falou, igualmente, das dificuldades organizativas do golpe e da vigilância sempre muito apertada da PIDE, a polícia política do Estado Novo, bem como dos ensinamentos retirados do fracassado Golpe das Caldas para não serem repetidos no 25 de Abril. Otelo Saraiva de Carvalho, um dos estrategas do 25 de Abril, esteve na organização do Golpe das Caldas. Felizmente, não foi preso. Aprendeu com os erros e pôde preparar com eficácia a Revolução triunfante.
A importância do 16 de março para o 25 de abril |
Entre o fim da primeira palestra e a segunda, os professores Júlia Quadros, José Morgado, Isabel Gamelas e Isabel Carvalho cantaram “Trova do vento que passa”, de Manuel Alegre e António Portugal, gravada em 1963 e popularizada por Adriano Correia de Oliveira.
Júlia Quadros, Isabel Gamelas, Isabel Carvalho e José Morgado |
O segundo convidado, o coronel Luís Paulo Correia Sodré de Albuquerque começou por contar como viveu o 25 de Abril. Era um adolescente de onze anos e não foi à escola porque, na cidade onde vivia, o Porto, os militares tinham tomado conta das ruas e se vivia um dia muito diferente de todos os outros. Ele, a família e as pessoas, em geral, seguiam o desenrolar da Revolução através da rádio e da RTP (a preto e branco). Salientou o papel do capitão Salgueiro Maia, de Otelo Saraiva de Carvalho no sucesso do 25 de Abril, dos momentos de tensão e de quase confronto entre militares a favor e contra o fim da ditadura. Por fim, abordou o período de grande instabilidade que sucedeu ao 25 de Abril, até à vitoria definitiva da democracia em Portugal, consagrada na Constituição de 1976.
Coronel Luís Paulo Correia Sodré de Albuquerque |
Ao mesmo que o coronel Luís de Albuquerque apresentava a sua comunicação, a Anaís Fernandes, aluna de Artes, do 11.º F, pintava o retrato do celebrado cantautor Zeca Afonso, criador de “Grândola, Vila Morena”, canção-símbolo da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Anaís Fernandes a pintar "ao vivo" |
E mais palavras, lidas pela voz bem calibrada da Mariana Rei.
«Das profundas mudanças que o 25 de Abril trouxe à sociedade portuguesa, uma das mais notáveis foi a igualdade de direitos para as mulheres. Até aí, numa sociedade conservadora e machista – e com um estatuto de subalternidade relativamente aos homens – as portuguesas passam a afirmar-se e a poder ocupar todas as profissões e papéis sociais.
A terceira convidada, a piloto Lígia Albuquerque, um dos espelhos dessa mudança, infelizmente, por motivos de saúde, não pôde estar presente. Nascida e criada no Porto, tem mais de duas décadas a competir nas várias modalidades do automobilismo: campeonatos de velocidade, ralis e todo-o-terreno. Tem ainda a melhor classificação nacional no campeonato WRC (senhoras).»
Em solidariedade para com a intrépida piloto, foi apresentada a sua nota biográfica e um breve testemunho, em vídeo, elaborado pela Mariana Rei.
A celebração continuou com mais uma notável intervenção musical, a cargo de alguns alunos da Prata da Casa: Anaís Fernandes, Francisca Porto, David Miño, Carolina Freitas, Joana Pereira, Pedro Marques e dos professores José Morgado, Júlia Quadros, Isabel Carvalho e Isabel Gamelas.
A "Prata de Casa" |
Numa breve intervenção, antes de se juntar aos restantes cantores, a Anais Fernandes explicou o contexto e o significado do retrato que pintou de Zeca Afonso, com a técnica de acrílico sobre tela. E diga-se sem rodeios, com grande mestria.
Num misto de recato na comunicação e de orgulho em Zeca Afonso, a Anaís falou da estória que está por detrás do retrato do cantautor. Zeca Afonso estava no exílio em Paris, França, e preparava-se para participar numa manifestação que exigia o fim da ditadura em Portugal.
A história deste retrato por Anaís Fernandes |
Foram feitas resmas de cópias de cartazes com este retrato, para serem utilizados nessa manifestação. Entretanto, dá-se a Revolução do 25 de Abril e Zeca Afonso regressa a Portugal o mais rápido que pôde. Por essa razão, o seu retrato deixou de ter, felizmente, a função a que se destinara. A democracia e a liberdade haviam triunfado no nosso país.
Alunos e professores a cantar abril |
Após os belíssimos momentos musicais, e dos prolongados e mais do que merecidos aplausos, foi apresentado um vídeo, com o testemunho de alguns alunos do 4.º ano que frequentaram o Clube UBUNTU. No registo efetuado, expressaram com clareza e espontaneidade o que pensam sobre “ditadura” e “liberdade”.
O cartaz do 25 de abril feito pelos alunos |
A Diretora do Agrupamento, professora Celeste Sousa, valorizou a atividade e saudou os seus promotores, os objetivos a que se propuseram, centrados no humanismo, na cidadania e na apologia dos valores democráticos. Agradeceu, também, aos ilustres convidados e aos alunos, que acolheram com entusiasmo a celebração coletiva.
Celeste Sousa no uso da palavra |
Por sua vez, a professora Angelina Oliveira, em nome do Projeto +Humanidades, agradeceu a todos os intervenientes: Um Gesto de Afirmação (dança; declamação de poema e apresentação da atividade, na pessoa da Mariana Rei); Arte+ (cartaz e programa); convidados (major-general Adelino de Matos Coelho e coronel Luís Sodré de Albuquerque); professor José Paulo Vasconcelos (fotografia); Clube UBUNTU (registo vídeo); Prata da Casa (coletivo de alunos e professores: Anaís Fernandes, Francisca Porto, David Miño, Carolina Freitas, Joana Pereira, Pedro Marques e dos professores José Morgado, Júlia Quadros, Isabel Carvalho e Isabel Gamelas); a professora Lisete Lapa e os alunos do Curso Profissional de Multimédia (gravação vídeo); Fernando Paulo (técnico de som), aos alunos e professores acompanhantes, que contribuíram generosamente para o êxito da iniciativa, simultaneamente tão rica, tão plural e, por isso mesmo, tão gratificante.
A terminar a atividade, um momento-surpresa com os alunos do 6.º C, a cantar “Grândola, Vila Morena”, a capella, com o público a acompanhar. Em uníssono.
Unidos pela voz |
José Sobral
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25 de Abril |
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