sexta-feira, 18 de novembro de 2022

18ª Edição - "Jantar Lusitano"

“PORTUGAL DENDRODESCOBERTO E A PERDA DA BIODIVERSIDADE E ÁGUA”


A história destes eventos foi contada pelo próprio Jorge Paiva: depois de andar anos a fio pelos vários cantos do país, num trabalho de divulgação científica, chamando a atenção para a urgente necessidade de preservação do Ambiente, numa das visitas a Tomar e à Escola Secundária Santa Maria do Olival, o conhecido professor da Universidade de Coimbra lançou um desafio à então presidente do Conselho Diretivo: “Celeste, vou-lhe propor um desafio: vamos organizar aqui na sua escola um jantar com alimentos dos tempos dos lusitanos. Aceita o desafio?”


É provável que naquele momento um turbilhão de pensamentos tenha passado pela mente da responsável da escola. De facto, o eminente botânico já era pessoa da casa, tantas tinham sido as vezes que tinha vindo palestrar para os alunos da escola e da cidade; era verdade que, frequentemente o Prof. Jorge Paiva trazia sempre consigo exemplares das mais exóticas plantas, algumas das quais poucos pensariam ser comestíveis; e, também todos constatavam o à-vontade com que circulava pelos corredores da escola. Mas como a Presidente do Conselho Diretivo era, já no tempo, mulher decidida, com gosto de arriscar, logo terá dito: “Desafio aceite! Mas não se esqueça que associada a este jantar o Sr. Professor terá de organizar sempre uma palestra para toda a comunidade!”


Naquele mesmo ano de 2003, logo após o arranque do ano letivo, multiplicaram-se os contactos com o Prof. Jorge Paiva: quais os tipos de alimentos que a escola deveria encontrar, que tipo de pratos confecionados se deveria prever, como deveria ser a confeção dos alimentos para que a refeição se aproximasse o mais possível daqueles tempos recuados, que alimentos e bebidas estariam proibidos para não adulterar a intenção deste jantar… Era o nervosismo associado à novidade!


As tarefas do Prof. Paiva ficariam bem delineadas: ele arranjaria os alimentos que o mercado tradicional não disponibilizasse, ele estabeleceria a ementa, ele mesmo iria para a cozinha da escola orientar a confeção; mas que a escola fizesse o resto, que lhe disponibilizasse pessoas para trabalhar, que decorasse a sala de convívio da escola como melhor entendesse… e que via com bons olhos a exposição que os professores de Biologia queriam instalar naquele mesmo espaço, associado à temática das plantas que abundavam nos tempos dos lusitanos.


 
Nesse ano foram convidadas muitas personalidades, umas do meio académico conhecidas do Prof. Paiva, entidades locais e figuras ligadas à direção dos destinos da Educação em Portugal e a comunidade tomarense. E o auditório da Biblioteca Municipal encher-se-ia de pessoas atentas à temática ecológica e, já na escola, todos ficaram extasiados com a decoração e, sobretudo, com a diversidade e a originalidade da apresentação dos pratos e dos alimentos.



No final da refeição por todos elogiada, logo o Prof. Jorge Paiva voltou ao desafio: “Vamos repetir isto para o próximo ano?” e, seguramente, não terá havido nenhuma voz, ali presente, discordante. Desde esse já longínquo 2003, apenas com interrupção em 2021 por razões da crise pandémica, todos os anos por altura do São Martinho e da castanha, Tomar, a ESSMO e o Prof. Jorge Paiva organizam este evento gastronómico e a palestra a ele associado, sempre com a temática da Biodiversidade como tema de fundo. E não se pense que a refeição cristalizou, que é sempre a mesma ementa, pois raros são os anos em que não surge uma qualquer novidade, uma fruta menos conhecida, uma planta recolhida na mais recatada praia…



Este ano decorreu, pois, a 18.ª edição deste evento e logo o Prof. Paiva justificaria a razão da sua ocorrência em Tomar e na escola: a ESSMO tinha sido a escola que aceitou desde o primeiro momento o seu desafio! Já muitas outras escolas, a sua universidade e muitos hotéis lhe tinham feito o convite para replicar o evento, mas ele mantém-se firme na sua vontade: enquanto as forças não lhe faltarem, ele aqui estará em novembro para manter a tradição!



Desta vez o tema da palestra do grande divulgador português da proteção ambiental foi sobre uma curiosa expressão, “Portugal dendrodescoberto”. O termo “dendro”, com origem grega, está associado a árvore, pelo que a expressão significa desarborização. Como tal, o que Jorge Paiva tentou vincar, foi o percurso da desarborização recente no nosso país, estando diretamente associada à ocupação humana do território: primeiro, há uns 7 ou 8 mil anos, para encontrar locais de fixação, como estratégia de defesa e para cultivo de cereais e domesticação de animais; bastante mais tarde, foi o tempo de recorrer à floresta nativa para encontrar madeira para as naus dos Descobrimentos, calculando-se que para nau seria necessário derrubar 2 a 4 mil carvalhos. Desde então, surgiram áreas “dendrodescobertas”, e a replantação com espécies de rápido crescimento veio adulterar a primitiva paisagem arbórea portuguesa, resultando numa “ignisilva” (do latim ignis= fogo; silva= floresta), com todas as consequências que, infelizmente e anualmente assistimos, os fogos devastadores e as sucessivas crises de seca por falta de precipitação.


Esta mudança da paisagem associada ao desleixo e às más decisões políticas, a maior grave das quais foi a extinção dos Serviços Florestais em 2006, faz com que Portugal esteja e continue a sofrer com a perda de biodiversidade nas matas. Poder-se-ia pensar que a população reagisse contra estes crimes ecológicos, mas foi o próprio Jorge Paiva a reconhecer que o povo e a comunicação social andam demasiado ocupados com o consumismo, não deixando ver quão graves são as consequências da desarborização no nosso território. E concluiu mostrar-se desalentado, sentindo que as seis décadas que dedicou pro bono à divulgação ambiental junto das camadas mais jovens da população, de pouco serviu. E concretizou: como se compreende que depois de uma “latada” de estudantes da Universidade de Coimbra os serviços de limpeza camarário tenham recolhido várias toneladas de lixo na rua? Como se compreende que as lojas dos centros comerciais se encham de pessoas sem que ninguém se preocupe em ler nas etiquetas o local de fabrico das peças de roupa, a maioria de países asiáticos que se recusam a assinar acordos de proteção do clima global?


“Estou desiludido, sinto que de nada serviu o meu trabalho!” Como o compreendemos, Prof. Jorge! Mas se é verdade que a educação é algo difícil de entrar nos educandos, pois as famílias e os contextos sociais são muito determinantes nos seus comportamentos, também não é mentira, que a muitos daqueles que um dia o ouviram, a mensagem chegou. Esperemos que esse punhado de gente de visão futurista, seja o grupo dos mentores da mudança de paradigma económico que tanto urge, com as correspondentes mudanças ambientais a ela associada.

 Bem-haja Professor Paiva!




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