A minha carta para o outro lado da porta
Antes de mais, pergunto-me se todos os que dizem sentir saudades as sentem verdadeiramente... Vamos festejar tão intensamente como prometemos no início de tudo isto? Iremos, mesmo, compensar o tempo perdido, com quem dizemos ter tantas saudades: avós, tias, primas, irmãos, amigos?... Vamos, realmente, fazer uma mudança radical na nossa maneira de viver? Ou só fica bem dizer?
As nossas rotinas (aquelas por que morremos de saudades), que é feito delas? Em tempos já longínquos, tínhamos tudo aquilo de que precisávamos; no entanto, julgávamos não ter nada do que queríamos... E, agora, não temos, verdadeiramente, nada. Ou temos? Eu tenho esperança e fé, tal como a minha avó me ensinou, e, por isso, sei que vai ficar tudo bem.
Um pouco de sossego, abrandar um pouco. Não era isso que queríamos? Não nos queixávamos das nossas rotinas, de tarefas e deveres...? E agora? Agora, queremos ir a festas, conviver com amigos... Nós, alunos, queremos o impensável, queremos o “regresso às aulas normais, em condições normais”!... O (quase esquecido) baile de finalistas, ou, simplesmente, se não for pedir muito, as férias de verão, as verdadeiras, com muitos festivais, viagens e diversão... Queremos a rotina de volta... Pergunto-me se alguma vez estaremos satisfeitos. Queremos sempre aquilo que não temos? E, no fim, teremos saudades desta quarentena?
Do outro lado da porta a história muda. Muitas pessoas continuam com as suas rotinas, a lutar contra o possível colapso do nosso país: a salvar a mãe da madrinha, da melhor amiga, da vizinha da avó; a garantir a nossa segurança no meio desta confusão toda; outras, em contrarrelógio, procuram soluções com um único propósito: reverter a situação; muitas outras protegem e cuidam dos nossos avós (de lares falo); milhares continuam a levantar-se todos os dias, a limpar as ruas de cidades desertas; a viajar quilómetros para trazer stock aos supermercados ou, então, a levar o jantar encomendado a uma família; muitos padeiros fabricam pão, por volta das 4 da manhã, para, às 7, sair quentinho e saboroso, sendo, de seguida, o nosso pequeno-almoço... Pergunto-me se gostariam de estar em teletrabalho, em casa, das 9 às 17, ou simplesmente de não trabalhar, se tivessem oportunidade de escolha.
Um aspeto engraçado é que estas pessoas não param, por muito cansadas que estejam, por muitas saudades que tenham da casa, da família... Elas sabem que, direta ou indiretamente, a mãe da madrinha, da melhor amiga, da vizinha da avó dependem delas, tal como os restantes 10 milhões de habitantes em Portugal, os 741 milhões de cidadãos europeus... os 7,6 biliões de pessoas que constituem a população mundial.
Alguns podem dizer que só cumprem o seu dever, mas ficar-lhes-ei eternamente grata.
Laura Ferros de Azevedo
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