quinta-feira, 3 de março de 2022

Violência Obstétrica: Existirá no Portugal de hoje?

“Bem-estar” é a ausência de doença ou de qualquer condição que possa afetar negativamente o estado físico e psíquico do indivíduo.Deste modo, é logicamente possível estabelecer uma relação diretamente proporcional entre a qualidade dos cuidados de saúde prestados e o bem-estar, a satisfação, do paciente. 

Estou confiante de que este artigo vos provará o contrário. 

“Portugal continua a ser um dos países do mundo com melhores cuidados de saúde materno-infantil, […]. Isso conseguiu-se à custa da generalização de boas práticas.”, dizem os nossos médicos.

Afirmam-no aqueles que representam parte dos profissionais de saúde que, durante nove meses, acompanham as futuras mães, mas não as fazem sentir acompanhadas. 

E durante séculos, as mulheres foram silenciadas. 

E até há 47 anos, uma nação estava silenciada. 

Hoje em dia não. Hoje, somos um povo livre de se exprimir! 

 

8 por 8 biliões

Então, como se explicam casos de mulheres cuja voz lhes é tirada, tal como o controlo sobre o seu próprio parto? Qual a justificação lógica para cenários, verídicos, de mulheres inferiorizadas e humilhadas? O que dá o direito a pessoas que escolheram dedicar as suas vidas ao cuidado do outro, dizer coisas como “Fique calada! Não lhe custou fazê-lo (o bebé), pois não? Agora não se queixe!” ou “Essa ainda é nova. Se tem idade para umas coisas tem de ter para outras!” (no contexto da recusa de ministração da anestesia epidural dado a idade da parturiente, da mulher em trabalho de parto).

Não há uma explicação, mas há um nome: Violência Obstétrica.

 Violência obstétrica existe. Atos de apropriação do corpo e dos processos reprodutivos femininos, implicando assim a limitação da autonomia da mulher, existem e são mais frequentes do que pensamos ou queremos admitir.

São situações onde só há espaço, e que já ocuparam espaço a mais, para o inadmissível e o impensável, em pleno século XXI. Porque é de facto impensável, no mundo tão (politicamente) correto e evoluído em que vivemos, que um dos momentos mais importantes da vida de uma mulher se possa tornar numa cena de terror. Que a dádiva que a mulher recebe, o poder de gerar um ser vivo no seu interior, se transforme em algo mais que banal, algo psicologicamente brutal. Um momento único para quem o experiencia. Único, muitas das vezes, por consistir em atitudes inconcebíveis por parte de profissionais de saúde. É o caso do desrespeito e desconsideração pelas preferências da mulher, relacionadas com o decurso da gravidez e do parto; da humilhação verbal e/ou manipulação emocional; da desvalorização da dor; de toques forçados; ou ainda de tratamentos discriminatórios dado um qualquer traço da mulher, da vítima.

Atitudes que são nua e cruelmente exemplos de violência física e verbal/emocional nos hospitais e maternidades portuguesas.

Podia também falar em Episiotomia, Manobra de Kristeller, “Ponto do marido” …  entre outros termos clínicos, para nós pouco comuns. Termos que talvez devessem estar mais presentes no nosso quotidiano, mas cuja execução seguramente deveria estar ausente no grande dia de tantas mães.

Como é que é possível, sendo Portugal “um dos países do mundo com melhores cuidados de saúde materno-infantil”, uma técnica desaconselhada pela Organização Mundial de Saúde ser rotineira no nosso país? A episiotomia trata-se de uma incisão na zona do períneo (a região que engloba os tecidos entre a vulva e o ânus) e é destinada a ampliar o canal de expulsão do feto, acelerando assim o parto. Esta prática é absolutamente desencorajada em partos não instrumentados e, ainda assim, é realizada em mais de 70% dos partos hospitalares em Portugal.

Obrigada senhores doutores, por tratarem tão bem das nossas mães. 

Este é efetivamente um pesadelo para as mulheres, mas não um problema apenas das mulheres. É um problema dos pais dessas mulheres, dos companheiros/amigos dessas mulheres, dos colegas de trabalho dessas mulheres, da equipa médica que acompanha essas mulheres, mas sobretudo, da sociedade onde se inserem e que continua a querer silenciar AS Mulheres.

Certamente este não será problema num país Europeu, pacato e desenvolvido como Portugal. 

Até porque Portugal é “um país de brandos costumes”

Esperem lá…, mas quando é que a mutilação genital feminina se tornou um costume brando? Nada brando será certamente para as suas vítimas, para os objetos de prazer sexual do homem em que, vistas desta forma, lhes é realizado o famoso “ponto do marido” – que consiste na cosedura desadequada dos tecidos perineais estreitando o canal vaginal, o que propicia dor intensa à mulher durante o ato sexual.

 

Inês Graça

A mulher é tão mais que nascer, – ouvir, calar, dar prazer ao homem – reproduzir e morrer.


A violência obstétrica existe, não permitam que nos silenciem. 


Pelo bem-estar da mulher, e assim, pelo bem-estar das futuras gerações, 

    

Somos um por todas e todos por uma.



Maria Inês Graça   




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