sábado, 30 de abril de 2022

Celebrar

Celebrámos a revolução. Mais um ano, mais uma vez. Celebrámos abril e tudo o que abril significa, celebrámos a democracia, a liberdade, a vida. Ouvimos gritos de emoção, ouvimos palavras de ordem, revivemos a revolução. Para mim, neto de abril, ficar também emocionado com estes gritos parece-me inevitável. As palavras de ordem começam a ser também as minhas, revivo a revolução que nunca vivi. A verdade é que, para uma pessoa da minha idade, a única coisa que tenho do 25 de abril é a recordação dos outros. Talvez isso seja suficiente. Ou talvez não. Talvez nunca saberei o que verdadeiramente significou abril. Talvez, no que diz respeito a abril e ao estado novo, ficarei para sempre refém da minha imaginação. Ainda bem. Hoje, como o jovem que sou, abril é a memória de outros, mas é também futuro. Um futuro livre e democrático, um futuro melhor com que, como neto de abril, não ouso sequer deixar de sonhar.

André Pereira

Eu, livre, oiço e vejo pessoas a falar da revolução. Vejo entrevistas, leio artigos e até eu próprio os escrevo, mas não vejo futuro. De que valem palavras caras num país pobre e desigual. Sinto as recordações dos outros, mas não sinto ambição nas suas palavras. Talvez seja porque sou jovem. Talvez seja falta de maturidade. Talvez seja utopia. Mas em que momento é que perdemos aquela que foi a maior conquista de abril: o direito a sonhar? Oiço passado e oiço conformismo, oiço aqueles que dizem o que todos querem ouvir e oiço aqueles que se dizem muito preocupados com estes últimos. Na verdade, não oiço nada. Nada de novo. Nada a que aos novos diga respeito. Tenho pena e tenho ambição. Tenho pena que eles não tenham ambição.

Talvez esteja a ser injusto. Talvez ainda haja quem ouse, à luz de abril, adivinhar um futuro que ainda falta cumprir. Mas, e como há sempre um mas, nem com esses inconformistas eu me conformo. Uns, vítimas do tempo e do progresso, gritam abril aos quatro cantos não percebendo que o abril que idealizam já não existe e que um futuro planeado a pensar no passado não passa de teimosia. Já os outros, mais modernos e elegantes, são vítimas da lógica e do bom senso. Estes querem abril, querem novembro, querem liberdade. Querem tanta liberdade, mas não se conseguem libertar do espartilho das suas convicções ideológicas. Parecem comerciantes. Parecem comerciantes a tentar vender-nos medidas que nos trarão um futuro glorioso. É inevitável esse futuro glorioso, cheio de aquilo a que chamam liberdade. É inevitável, está escrito nas estrelas. Mas, entretanto, as estrelas contemplam um dos países mais desiguais da europa que é o nosso. E, no meio de tantas constelações, eles distraem-se e esquecem-se que a “liberdade sem regras conduz à escravidão”.


Fico, então, com a sensação de que ser neto de abril não é mais do que isto: um permanente inconformismo, até com os inconformistas. Mas, pensando um pouco mais, percebo que não. Ser neto de abril é sonho, mas não é utopia. É nunca perder o rumo de vista, mas não é ficar cego de tanto idealizar esse rumo. Ser neto de abril é, com o modernismo que o presente nos merece, não ver o mundo a preto e branco e ter sempre a ambição de lhe dar um pouco mais de cor. É perceber que o mundo é complexo, vendo esse mesmo mundo sem complexos. O que quero? Quero ânsia por algo melhor, algo novo. O que quero? Quero realismo e sonho, pois só assim posso tornar o sonho realidade. O que quero? Quero viver num caminho eterno rumo ao horizonte que é abril. Esse horizonte que será, para sempre, brilho nos olhos de um neto de abril. Celebremos isso!

André Peixoto Pereira

 

*Este projeto foi realizado pela Associação de Estudantes da ESSMO de modo a celebrar o 25 de abril e a revolução dos cravos. A associação de estudantes deixa um especial agradecimento a todos os que nos concederam entrevistas, a todos os que escreveram artigos e a todos aqueles que os leram. Um agradecimento também a todos os professores que colaboraram no processo, em especial à professora Maria do Céu Baião.

2 comentários:

  1. Muito bom ,André Peixoto Pereira PARABÉNS..Gostei de ter participado no vosso projecto. Li todas as outras entrevistas, cada uma com as suas vivências, mas gosto sobretudo das tuas / vossas conclusões. Tenho a certeza que esse brilho nos olhos de um/s neto/s de Abril , nunca se ofuscará , pois tem em vista um caminho traçado em consciência rumo ao horizonte que é Abril.
    Parabéns a ti . Parabéns á Associação de Estudantes.
    Um abraço
    LUISA FEIJÓ

    ResponderEliminar
  2. Muitos parabéns André, beijinhos, Dina

    ResponderEliminar